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mari
2 min readSep 27, 2021

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Venta muito hoje.

Já acordei com a gritaria no andar de baixo e desde então ela continua, só que agora eu também estou no andar de baixo e a gritaria se direciona a mim. Penso que se eu ignorar o suficiente ela vai parar, mas a verdade é que acostumei tanto que por um lado é como se tivesse parado mesmo, virou barulho de fundo. Desci, peguei minha xícara de café e sentei aqui no beiral da janela como todos os dias antes desse, mas subitamente não, eu deveria me sentar à mesa como todo mundo, por que eu tenho que ser tão difícil? Mania de querer ser diferente?

Ignoro os gritos hipnotizada pelo vai e vem da cortina, um véu transparente que incha e desincha formando formas incríveis que num segundo se desmancham. Ninguém mais vê essa maravilha? Só eu acho isso fantástico? Aparentemente sim, e ela fala exatamente sobre isso agora, mas não é bem o termo “fantástico” que usa. Saio do meu transe incomodada pelo incômodo e olho direto nos seus olhos, tentando transmitir todas as palavras que queria dizer, mas não consigo, pois ela fala todas elas por nós. Pelo visto fui insolente com meu olhar de sonsa, parece que não passei a mensagem. Volto então para a cortina e tomo o resto do meu café que eu queria que estivesse um pouco mais doce hoje, mas não ouso sair daqui para pegar mais açúcar.

PÁ! Em um salto jogo a metade do café que ainda tinha na xícara para cima, onde por um segundo ele fica até que cai de novo em mim. Ainda bem que não estava mais quente. Olho para a mesa assustada e vejo um prato estraçalhado no chão e 1 metro e 68 centímetros acima dele dois olhos que me fuzilam como se eu que o tivesse derrubado, sim, foi minha culpa, obviamente, como poderia não ser? Sim, eu limpo, só deixa eu me secar primeiro que estou pingando café. Me levanto e em silêncio começo a limpar as duas bagunças que na verdade são uma. Atrás de mim o véu segue a dançar por entre duas realidades, e eu, infelizmente, continuo nessa.

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