08 — atenção é o presente mais caro que posso dar

mari
3 min readMay 23, 2022

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Sete dias se passaram. No oitavo chorei.

Pessoas me consomem. Interagir, por melhor que seja a interação, me consome. Posso até ser mais sensível, mas quando presto atenção penso que é porque, na verdade, eu presto muita atenção. Muitas pessoas ocupam o mesmo espaço, mas quantas se notam? Muitas pessoas conversam, mas quantas se ouvem? Muitas fazem perguntas, mas quantas esperam a resposta? Posso ser ausente na vida da maioria pela maior parte do tempo, mas cada vez se torna mais claro para mim que o melhor é fazer da minha presença presente.

O problema — que não é na verdade um problema e sim apenas uma consequência natural — é que estar presente cansa. Problema é quando descansar não é possível. Acho que antes de qualquer coisa é preciso estar presente consigo, pois todas as possibilidades além disso se tornam insustentáveis se você nem mesmo se sustenta. Conseguindo se manter firme na própria presença é que se consegue sustentar o olhar alheio.

Hoje dei minha atenção total ao máximo que consegui, ignorando o instinto básico de escapar para o meu mundinho, mas com o passar das horas minha bateria foi chegando ao final. Aos poucos percebo que não consigo mais iniciar nenhuma conexão e apenas seguro firme naquelas que chegam até mim, mas mesmo para essas meus músculos eventualmente começam a tremer e falhar e me torno uma casca vazia do que antes foi luz. Deixo cair conversas por entre meus dedos e sinto nos olhos de quem me olha a expectativa para que eu continue as olhando como antes olhava. Me desculpe, não consigo mais, não há mais nada em mim que eu consiga dar.

O mundo está sedento por atenção. Há milhares de olhos nos vendo, mas ninguém nos vê. Falamos o que queremos o tempo todo, mas ninguém nos ouve. Só queremos alguém que nos ouça sem ouvir ao mesmo tempo seus próprios pensamentos, que não termine nossas frases e não preencha nossos silêncios. Só queremos alguém que olhe no fundo de nossos olhos e enxergue o que não sabemos falar, que nos veja como somos e não como acha que somos. Só queremos alguém que queira estar ali o mesmo tanto que nós, que saiba estar ali o mesmo tanto que nós, nem mais e nem menos, que respire fundo na nossa presença e inspire ao mesmo tempo o mesmo ar.

Costumo viver o dia contemplando e saboreando as minúsculas coisas. Observo os detalhes, os pelinhos da folha da planta, a chaleira dançando no fogo, os dedos desajeitados de uma mente vagante, a expressão de quem ouve sem que ninguém note. Eu noto sem saber se alguém me nota. Noto o que acontece nos bastidores e me incomoda ser chamada para subir no palco, como se lá os holofotes me cegassem e eu perdesse a noção da verdadeira ação. Não quero saber do que se mostra, diabos, quero saber de tudo que foi feito antes de chegarmos ali. Percebo ser algo que não se faz muito quando ouço muitos comentários sobre minha forma de existir no mundo. Escolho continuar existindo no mundo aprendendo com as pessoas que tenho a honra de olhar nos olhos e, a quem olhar nos meus, também ensinar.

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