124 | os vizinhos reclamaram do barulho de novo

mari
3 min readJan 7, 2023

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Começou pela barriga, se espalhou pras bochechas e desceu pra garganta, agora já era, tudo em mim dói de tanto rir. Por melhores que sejam amigos novos e por mais que eles combinem mais com as nossas versões atuais, não tem nada como amigos antigos pra ativar cada célula do corpo na base da gargalhada.

— Só pra você saber, é sempre assim quando a gente se encontra viu? — Ana curvada por sobre a mesa congelada no meio do processo de se levantar, com uma mão apoiada na barriga e outra no encosto da cadeira.

— A não ser quando a gente fica triste — Pepa sentado na cadeira amarela volta a cabeça pro lugar depois de jogá-la pra trás de tanto rir.

— A não ser quando a gente treta — Falo eu, sentada no sofá com as pernas cruzadas e com as mãos no rosto limpando as lágrimas que não param de jorrar dos meus olhos.

— Essa dinâmica é incrível —A mais nova adição ao grupo gargalha com nós. Que dia bom pra misturar essas partes de mim que já se encaixavam, mas ainda não se conheciam.

Penso em todas as pessoas que já passaram por esse trio trazidas à tona até hoje em memória, por bem, por mal ou só pra dar um tempero cômico mesmo. Umas vem trazendo com elas um monólogo indignado, outras fazem cair um silêncio melancólico, umas vem com histórias próprias que não tem como não serem compartilhadas e algumas ainda fazem escorrer um veneninho pelo canto da boca porque afinal, ninguém é de ferro.

Tempos difíceis forjam grandes amizades e nós nos agarramos um ao outro com tanta força que as unhas afundadas na pele ficaram guardadas feito cicatriz e recordação. Não importa quanto tempo passe ou o que aconteça, certas partes de mim só existem com vocês e certas partes de vocês só existem comigo e quando a gente se encontra me sinto tão completamente eu que só ali percebo o quanto eu estava sentindo falta de mim.

Duas virginianas e um pisciano. A desastrada, a escandalosa e o enrolado. A observadora, a verdadeira e o habilidoso. A que desaparece, a que compra briga e o mestre da evasão. A indecisa, a mandona e o obediente. A desapegada, a ciumenta e o que quer ser legal. A fotógrafa, a veterinária e o publicitário. A escritora, a leitora e o performer. A que não responde, a que se magoa e o que inventa desculpa. A sensível, a ousada e o criativo. A esquisita, a fresca e o nojento. A que chora, a que grita e o que ouve. A introvertida antissocial, a festeira cansada e o recém caseiro. A dedicada, a eficiente e o profissional. Ascendente em gêmeos, em áries e em sagitário.

Obviamente somos muito mais do que tudo isso e às vezes nem somos mais o que disso já fomos, mas cá estou eu atribuindo identificações injustamente e abusando da minha licença poética porque quando eu era complexada com o meu nariz a Ana me apelidou de tucana e quando eu pulava num pé só ela me deu uma rasteira.

Hoje eu amo que só ela me chame de tuks e talvez isso até tenha me ajudado a fazer as pazes com o meu nariz. E a rasteira no final das contas resultou no tombo mais épico de todas as nossas vidas e que vai continuar sendo contado pra sempre pra todas as pessoas que passarem por nós.

Quando eu estou com vocês o meu lado patudo vem à tona, então caso não tenha dado pra perceber, essa é uma declaração de amor.

[Ah, e também tem a Sofia, mas ela mora no Rio]

6 de janeiro de 2023

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