126 | quer que eu vá aí ficar com você?

mari
4 min readJan 10, 2023

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Fecha os olhos, respira fundo, firma os pés no chão e resiste ao impulso de não falar nada.

—Tive uma crise ontem e não tô legal não.

— Te ligo em 5 minutos?

A voz gentil do outro lado pergunta o que foi e logo começo a chorar, não sei o que foi, sei, mas não sei, sabe? Tô cansada eu acho, só tô muito sensível e não consigo parar de chorar.

Percebo quantos "só" eu uso pra descrever o que sinto. É só isso, só um pouco disso, tô triste, mas só um pouco, sei lá, só isso mesmo. Também percebo que uso "mas tá tudo bem" muito mais do que deveria. O que eu quero dizer com isso? Não é mentira, tá tudo bem mesmo, só não tá, mas tá, sabe?

Acostumada com as minhas montanhas-russas emocionais, com os meus desgastes e com as minhas crises, aprendi a não enxergar nada disso como ruim ou problema, mas como etapas necessárias de um processo maior, então sim, olhando por esse ponto de vista mais amplo sim, tá tudo bem porque vai ficar tudo bem, porque se tem algo que escrever todos os dias deixa absurdamente óbvio é que um dia eu tô na merda e no outro eu tô no céu, um dia depois do outro e no fim sempre fica tudo bem, então sim, tá tudo bem, mas também não tá, sabe?

Acho que "tá tudo bem" é o meu equivalente ao famoso "vai passar". Isso que sinto é um estado emocional que só precisa ser sentido, mas que não altera o escopo geral das coisas, mas às vezes altera também, então sei lá no final das contas o que tudo isso significa pra mim.

Também uso muito "sei lá" e "acho" pra descrever o que eu penso. Talvez por entender que nada é definitivo comigo e que tudo pode ser alterado e aprimorado ou simplesmente descartado caso surja uma definição mais apropriada no momento. Mas também não é porque é temporário que deixa de ser certeza, posso ter certeza de algo agora porque é isso que sinto nesse momento e daqui há cinco minutos ter uma nova certeza porque meus sentimentos mudaram, uma certeza não anula a outra, mas cada uma está fadada a existir somente naquela janela temporal e não podendo ser colocada na mochila e guardada pra depois.

E todas essas voltas são mais um exemplo das voltas que eu dou em mim mesma pra me convencer de que eu não preciso de ajuda e que eu sei lidar comigo mesma e que tá tudo bem e que vai passar e que tudo isso que eu sinto é só um sentimentozinho que faz parte e enquanto isso me distraindo do fato de que tudo isso só sinaliza aqui dentro que eu não me levo à sério. Eu, euzinha, eu que me levo tanto à sério, notória por me levar à sério, não me levo à sério. Quem diria.

Sempre disposta a largar qualquer coisa e ir a qualquer extremo pra ajudar quem eu amo, não consigo aceitar que eu também posso precisar de vez em quando, que também posso pedir e que também posso aceitar. Que talvez as pessoas que me amam também queiram me ajudar, que talvez elas precisem me ajudar de vez em quando pra me amar e eu que na minha necessidade de ser autossuficiente crio dinâmicas unilaterais que depois me esgotam tanto que preciso largar pra trás e começar tudo de novo do mesmo jeito.

É, você nunca precisa de ninguém mesmo né. A frase já azeda de tanto tempo que ficou fermentando por dentro já me foi jogada na cara algumas vezes feito cuspe e como se cuspida na cara eu reagi em todas elas. Eu não me importo, não faço questão, não ligo, afinal, nada me afeta, não é mesmo? Essa indiferença machuca, mari, sabia? Você nunca se importou no final das contas, né?

— Quer que eu vá ficar aí com você? — A oferta generosa e genuína chega pelo telefone e antes mesmo da frase terminar tudo em mim grita QUERO!

Silêncio.

— Não precisa.

— Você quer ou não quer? — QUERO!

— Mas não vai te atrapalhar?

— Você sempre tá aqui pra mim, deixa eu estar aqui pra você. Quer ou não quer? — QUERO!

Silêncio.

A palavra enche minha boca e quase escapa à língua, mas fica presa nos dentes serrados em um sorriso. QUERO! VEM, POR FAVOR! EU QUERO!

Silêncio.

Jogo meu corpo inteiro contra a palavra como se estivesse tentando arrombar uma porta reforçada que insiste em não querer ceder. Talvez se eu não tivesse usado aparelho pra fechar a fresta entre os dentes da frente ela conseguisse ir e vir à vontade, mas forcei a janela a se fechar e agora ela permanece emperrada me fechando do lado de dentro do sorriso esteticamente agradável, socialmente agradável, infelizmente agradável.

No ano passado a contenção que fica atrás dos dentes quebrou e, na minha enrolação pra marcar dentista, a fresta começou a se abrir de novo até que finalmente fui e coloquei outra, mas o estrago já tinha sido feito e agora a blindagem tem uma brecha. Talvez tenha sido por ali que o grito se espremeu até conseguir vazar como sussurro tímido.

quero

A palavra sai tão pequena que nem merece travessão ou maiúscula, mas pros ouvidos atentos se faz audível. E o socorro chega.

8 de janeiro de 2023

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