Sonhei que no polo norte o vento me levava embora. Embora pra onde? Embora. Pra longe, pra perto, pra qualquer lugar menos aqui, ou melhor, lá, afinal, eu estava no polo norte. Não costumo ter sonhos recorrentes, mas em sonho recorro sempre à fuga. Dessa vez não pareceu uma fuga, pareceu só uma aventura. Deixar o vento me levar pra onde ele quiser e ver as pessoas ao meu redor diminuírem de tamanho até que desaparecessem e uma nova paisagem aparecesse em seu lugar. Não, geralmente não é bonito assim, geralmente é cansativo, feio e estressante. Dessa vez foi bonito, tão bonito que nem me senti estar fugindo, só que mesmo assim fui parar bem longe.
Mudei muito e tenho mudado cada vez mais, mas apesar de tanta mudança continuo parada no mesmo lugar. De quantos jeitos diferentes é possível perceber a mesma paisagem? Com quantos pares de olhos exatamente iguais consigo enxergar a mesma exata paisagem um dia após o outro por anos a fio? Quantas vezes posso repetir as mesmas frases com a mesma voz e na mesma entonação sem fazendo isso perder a cabeça?
A inconstância da vida sempre me assustou, mas no espelho é exatamente ela que eu encontro olhando de volta pra mim. A vida só é, eu que voo pra longe carregada pelo vento que me pega de susto e me leva embora, só que o vento também sou eu. Me sinto mudar e parte de mim me odeia por isso porque é essa a parte que ama tudo exatamente do jeitinho que tudo é como uma fotografia onde pra sempre chove mesmo que já tenha parado de chover várias vezes depois.
Me sinto mudar e me assusto. Me sinto ficar e me assusto. Me sinto espichar, alongar, dividir, espalhar. Me assusto com tudo. Me assusto comigo. Me assusto. Me espanto, mas não me surpreendo. Nada é novo enquanto tudo se repete como se fosse a primeira vez. Nada é novo. Tudo é novo. Eu sou nova. Eu sou velha. Eu aqui, nesse lugar emocional tão familiar e tão desconhecido nessa reprise inédita projetada pelos mesmos olhos só que dessa vez pra dentro.
Reconheço a sensação da lua em escorpião de longe.
14 de janeiro de 2023
