146 | quem diria que eu poderia ser essa outra pessoa também?

mari
2 min readFeb 1, 2023

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Meus olhos veem muito mais do que consigo absorver e meu corpo sente muito mais do que consigo entender.

Na mesa do bar conversam o sono, a raiva, a impaciência, a leveza, o interesse, o carinho, a alegria e o conforto. Cada um fala uma coisa e às vezes conversam, às vezes trocam de lugar, às vezes se interrompem e às vezes se entendem. Tem também o barulhinho que no meio do barulhão só se escuta com a ponta dos dedos e de mão em mão passa pra que possa ser ouvido.

É bizarro o quanto a gente se acostuma a ser a gente e continua sendo a gente em qualquer lugar que esteja sem nem pensar sobre, mas aqui as coisas acontecem diferente. Aqui a gente se reveza. Me sinto sendo quem eu nunca fui e tento nem pensar sobre pra não me espantar comigo mesma. Não sabia que tinha isso aqui dentro, não assim. Fico sem saber o que fazer quando geralmente o que eu faço é deixar que outres façam por mim. Nunca antes cheguei nesse espaço específico de ser e aqui me sinto uma adolescente estabanada fingindo confiança enquanto exala nervosismo e agora entendo tudo um pouco melhor enquanto entendo cada vez menos. Deixo acontecer.

Algum dia me entregaram esse papel de mocinha e eu o assumi como meu, o elaborei e o transformei em identidade. Me tornei o papel que interpretava e duvidei poder ser qualquer outra coisa a mais, mas nessa peça em que interpretamos todos os papéis que quisermos me pergunto se realmente é só isso que eu sei fazer e me surpreendo com uma nascente versatilidade da qual eu nunca imaginei ser capaz. Sou convidada ao palco e sinto meu medo cada vez mais desafiado. E cada vez mais atenuado.

28 de janeiro de 2023

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