Um relógio cafona até pra época, enorme, estranho, imponentemente suave, detentor de um micro-desconforto sem causa. Um relógio que em sua longa vida marcou tantos segundos que perdi a conta, mesmo quando tanto o tentei alcançar. É porque apostávamos corrida, sabe? Eu e ele. Uma corrida na qual a intenção não era ganhar, mas correr lado a lado sempre no mesmo passo, mesmo de olhos fechados. Mulheres tomavam chimarrão em conversas gritadas que eu nunca entendia, mas sempre ouvia com o máximo de atenção. O relógio que não fazia barulho dentro da minha cabeça e sei lá, quem sabe ele ouvisse o meu silêncio na dele também.
Um, dois, três, quatro, mordida com gosto no pão com melado. Sete, oito, nove, dez, crianças riem jogando bola lá fora. Catorze, quinze, dezesseis, dezessete, homens suados fazendo churrasco. Vintitrês, vintiquatro, vinticinco, vintiseis, caminhos na mesa traçados a dedo. Taisete, taioito, tainove, quarenta, um pé dorme debaixo da bunda e o outro chuta o pé da cadeira. Quentaium, quentaidois, quentaitrês, quentaiquatro, pássaros cantando contra o céu ensolarado. Quentainove e UM, dois, três, quatro, fecha os olhos e começa tudo de novo. Mais uma vez. Quentainove e… Abre os olhos. Sorri, chegamos juntos mais uma vez eu e ele, o ponteiro do relógio que meio que me dá medo e eu meio que não sei por quê. Oito, nove, dez, onze.
7 de fevereiro de 2023