168 | o que você busca quando vai à praia?

mari
3 min readFeb 19, 2023

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Cidades crescem e crescem e crescem para muito além do que poderiam. Tanto não poderiam que precisam inventar cada vez jeitos mais absurdos de crescer, jeitos que ultrapassam todo e qualquer tipo de limite, todo e qualquer tipo de justificativa, jeitos que só ultrapassam e atropelam e destroem tudo aquilo que sempre existiu.

Praias que precisam ser expandidas para quê? Para mais seres humanos passarem o dia inteiro com suas bundas sentadas numa cadeira enchendo seus corpos de álcool e abandonando seus lixos na areia. Lixos que, não sendo descartados por nós, são recolhidos pelo próprio mar que sobe e busca o que deixamos para trás, levando consigo tudo aquilo que nós em nossa estúpida ignorância não conseguimos nos prestar a recolher.

Praias sendo ampliadas tomando o próprio espaço da praia, deixando de ser praia e se transformando em mais uma de nossas aberrações. Me pergunto o porquê. Ninguém sequer olha para o mar, ninguém sorri ao vê-lo e até mesmo o "ouvir o som das ondas" nem existe mais quando a música alta toma conta de todo o espaço auditivo.

Raivosa? Sim. Pedante? Talvez. Queria pedir perdão pela fúria em minhas palavras, mas, sinceramente, não quero não. Me incomoda ninguém parar o que faz por um segundo para apreciar uma folha bonita, uma flor, uma nuvem, uma árvore, um pássaro, nada. Estou generalizando. Sim, estou ciente, muito obrigada, sei que não é todo mundo e que também não é ninguém. Eu sei, mas peço licença, estou com muita raiva.

Há tantas coisas para nos preocuparmos no mundo, tantas causas às quais devemos nos dedicar e todas elas da mais absurda importância. É para isso que somos bilhões. Me parece inútil sermos tantos se o propósito não for nos ramificarmos de forma a abranger tudo aquilo de bom que podemos fazer enquanto espécie.

Num raio de, sei lá, no máximo uns cinco metros ao redor do espaço que ocupávamos ali não sei quanto tempo passei recolhendo resíduos humanos largados na areia e não paravam se surgir mais. Saquinhos plásticos, canudos, bitucas de cigarro, pedaços de colheres e isopores, tampas de garrafa e latinhas. A maré alta logo vai aumentar e carregar todo esse lixo com ela para o fundo do mar, longe de nossos olhos opacos que não enxergam mais de um palmo além do próprio nariz.

Penso em tudo isso o que construímos e me parece tudo em vão. Podemos estar melhores do que já fomos, mas também estamos piores e somos cada vez mais. Qual é o sentido? Pedimos tranquilidade à natureza e levamos caos ao seu refúgio. Pedimos cura e devolvemos assassinato. Pedimos beleza e entregamos descaso. Pedimos energia e descarregamos estresse. Pedimos, pedimos, pedimos e tomamos. Tomamos de qualquer jeito enquanto ela continua a nos entregar de graça, nem sequer agradecemos.

Me incomoda sentir tudo isso e me incomoda ser filha do problema, ser também o problema, porque hoje meu melhor ainda é muito pouco e nem um pouco suficiente, meu melhor ainda é ruim, ainda estraga e ainda destrói. Meu melhor ainda faz sangrar e me incomoda ter o sangue dessa espécie que se torna cada vez mais plástico. Me incomoda tanto que o meu melhor não basta. Me incomodo comigo mesma e me incomodo com todos nós.

19 de fevereiro de 2023

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