17 — ainda sobre silêncios

mari
2 min readJun 1, 2022

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Não, não é que o tempo para. É a gente que para o tempo. É a gente que escolhe a qualquer momento em qualquer dia simplesmente parar. É só fechar os olhos que a magia acontece e metade do dia se passa de olhos fechados. Não dormindo. Piscando. É o entre, o tempo entre tempos, a pausa entre a inspiração e a expiração. Existe todo um mundo inteiro que só se enxerga por trás das pálpebras. Eu, netuniana, me alimento dessa suspensão. Assim como branco é a soma de todas as cores, silêncio é a soma de todos os sons. Quando fecho os olhos, no escuro vejo silêncio.

Qualquer pessoa que tenha convivido pelo menos um pouco comigo sabe que a cada no máximo alguns dias eu preciso me perder dentro de mim por um tempo, sumir do mundo, sumir do corpo, sumir de tudo. Ouvindo música no fone de ouvido, deitada na cama com as pernas estendidas para cima na parede, sentada na varanda sentindo o ventinho no rosto… Onde estiver, como estiver, desde que esteja só. Essa é a manutenção que preciso fazer constantemente, que me limpa e me energiza, que gentilmente me arranca do fluxo do mundo e me conduz de volta ao meu.

Talvez eu seja um pouco mais sensível, mas realmente acho que todo mundo precisa de um pouco disso. O que sinto é que fico cada vez mais rabugenta, irritável, inconstante e volátil quando não me retiro do tempo. É o meu sinal. Quando parece que nada dá certo e não consigo fazer nada direito é o alerta vermelho que meu corpo me dá dizendo para parar. São sirenes que tocam cada vez mais alto dentro da minha cabeça e não me deixam conectar, não me deixam concentrar, não me deixam pensar. Por mais cansada que eu esteja, nenhum outro tipo de descanso vai me dar o que eu preciso. Se eu dormir me aproximo mais rápido do amanhã. Se eu me distrair acumulo ainda mais entulho onde já cai pelas bordas. Não é meu corpo ou minha mente que precisam descansar, são os meus sentidos que pedem urgentemente para serem sentidos.

Então escolho minha banda instrumental preferida, aumento o volume e fecho os olhos. Pouco a pouco vou sendo transportada para todo e qualquer lugar. Não penso, não tento entender, apenas existo ali, vendo no escuro imagens tão reais que esqueço da realidade. Imagens que me levam a viver vidas inteiras dentro dessa bolha no espaço-tempo que criei só para mim e esqueço também tudo que sou. Ali, sou partícula como tudo ao meu redor. Sou vazio. Sou frequência. Sou infinita.

Não importa se essa viagem se estender madrugada adentro e eu acabar dormindo poucas horas, quando acordo, acordo mais viva do que nunca. Quando me dou tempo para sair do tempo, eu crio tempo onde antes não havia.

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