172 | só queria dormir

mari
2 min readFeb 25, 2023

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A lágrima solitária escorre pela cama que eu pensei ser minha. Ela não está sozinha, a lágrima, mas se sente solitária. Todas elas se sentem solitárias não importa quantas sejam e caem pela cama que eu aprendi a amar tanto que passou a ser minha, só que não é e nunca foi, mas continua sendo com ou sem mim deitada nela, porque ela não é minha, mas meio que é e também não é porque nunca foi, então não tem como deixar de ser. Mas continua sendo e isso confunde meu corpo que só quer dormir em paz. Sem ter onde me segurar me seguro em mim com tanta força que me deixo marcas de dedos na pele. Só em mim me sinto segura, mesmo quando não.

Mar tranquilo nunca fez bom marinheiro. Comprei uma plaquinha pintada assim hoje ainda achando graça, ela vai combinar com a bandeira da Torre na minha parede, pensei, mesmo que não combinem nem um pouco. O oceano me puxa para o vazio e também para o vazio me puxa o coração, implorando por um pouco de silêncio e entrega à tormenta.

Ter casa em vários lugares significa que sempre estou em casa e também que nunca estou. Não tenho casa. Sou casa, verbo ser, não estar e muito menos ter. E agora que já estou quase voltando até quase meio que perco a vontade de voltar. Ah, se o mar aberto me aceitasse, afinal, combinamos muito também mesmo sem combinar.

Me sinto desligando e juro que não quero. A cama para a qual eu tanto queria voltar agora me olha de perto e sinto medo. Sinto medo de voltar para casa, para a minha casa, e para a vida, para a minha vida, que me espera só que não, só que sim. Minha casa não é mais minha e minha cama não é mais minha e a cama que eu senti ser minha nunca foi e eu volto sem fazer a menor ideia de para onde estou voltando. Para o que estou voltando. Para quem estou voltando. Quem sou eu que volta quando parte de mim não quer mais voltar e a outra só quer ir embora.

23 de fevereiro de 2023

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