18 — o que fica de mim

mari
3 min readJun 2, 2022

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No final das contas, somos apenas histórias. Às vezes uma longa saga, às vezes um livro, um capítulo ou apenas palavras rabiscadas na mesa da escola. Somos as memórias que criamos, os conselhos que damos, os machucados que abrimos e os que cicatrizamos. Somos protagonistas só de nós e coadjuvantes de todo o resto, participações especiais ou figurantes. Talvez nossos rostos sejam regravados todos os dias ou talvez se tornem borrões que se mesclem com o de outro alguém.

Já que estou destinada a ser história, que história quero ser? Vai minha vida ser uma aventura, drama, comédia ou fantasia? Eu ficaria frustrada comigo mesma se estivesse me assistindo na televisão? Me acharia burra ou genial? Quais foram os pontos de virada em que tudo mudou? O que posso prever vir em seguida a partir de onde estou agora? Eu seria minha série favorita? Qual a temática central da minha vida? Que mensagem quero que fique no final? Já estou a colocando enquanto posso?

Se não passo de um papel na história das pessoas que passaram pela minha, qual papel eu quero ter? Qual o rastro que deixo para quem me vê passar? Para quem conversou um dia comigo? Para quem convive comigo? O que eu deixo para trás depois de já ter ido embora? Quais ensinamentos eu passo adiante? Quais feridas eu cutuco? Quais pontos de virada já fui? Quais ainda vou ser? Será que ainda sou presente onde nem me lembro de um dia ter estado?

Tantas pessoas que passaram pela minha vida e deixaram pedaços delas comigo. Pedaços bons, pedaços ruins, pedaços neutros, não importa, todos eles serviram seu propósito de me trazer até aqui. Tantas pessoas que me transformaram completamente e que talvez nem saibam mais quem sou, que talvez nem perceberam que eu vi enquanto um pedacinho delas se descolou e caiu no chão, nem que eu peguei o que achei e guardei no bolso. Agora, tanto tempo depois, ainda as passo adiante na tentativa de que o que me deram sem saber retorne a elas de alguma forma.

Quando me vejo em um impasse me pergunto que tipo de pessoa quero ser. Se quem escreve minha história sou eu, pego o que me é dado e faço disso o que eu quiser. Nem sempre atinjo minhas próprias expectativas, mas continuo tentando e a cada dia que passa me aproximo mais de ser a pessoa que deixa o rastro que quero deixar para trás.

Uns anos atrás, olhando álbuns de fotos de quando eu era criança, encontrei os primeiros registros da minha existência. Depois de já ter passado por tantas memórias meus olhos inchados e vermelhos transbordando nostalgia se encontraram com os olhos de um eu bebê que olhava diretamente para mim. Um portal se abriu e entendi que cometi um grande erro, mostrei ao meu eu recém-chegado e fresco um futuro com sofrimento e cresci sabendo que anos depois estaria transbordando em angústia.

Naquele dia eu me fiz uma promessa. Prometi que eu daria a melhor vida possível àquele serzinho, que eu faria com que todos os seus sonhos se realizassem e criaria com minhas próprias mãos um futuro do qual se orgulharia. Prometi que eu só abriria aquele álbum de novo e olharia nos meus olhos quando eu estivesse num caminho que aquela eu iria amar estar. Prometi que eu faria o meu melhor para mostrar a ela que além da angústia existe triunfo, existe felicidade e existe amor. Prometi que, quando em dúvida, eu buscaria a resposta naqueles olhos que me olhavam ansiosos por saber o que vem lá e faria o que eu gostaria de poder me contar. Prometi viver a minha vida por nós e por mais ninguém, me dando de presente uma história digna de ficar exposta na minha estante ao lado de todas aquelas que sempre amei.

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