20 — num amontoado de nós

mari
2 min readJun 4, 2022

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Nascemos com um barbante amarrado em nós, um barbante infinito e sem pontas que carregamos em nossos braços por todas nossas vidas. Por onde passamos, nos enroscamos num trinco, num gancho, num barbante de outro alguém. E assim vamos tecendo nossas tapeçarias meio sem querer, criando novas imagens quanto mais tentamos as desfazer. Exaustos, colocamos nossas bagunças nas mãos de quem as quiser carregar, mas que também como nós se enroscam em trincos e ganchos e outras pessoas e quando percebemos nossas linhas se perderam num amontoado sem fim nem começo e nós ali, exaustos.

Em algum momento viramos moscas em nossas próprias teias sem ninguém para nos salvar e nem aranha para nos comer. Presos para toda a eternidade por nosso próprio descuido. Carregamos nossos barbantes como fardos e terminamos por nos tornar-mos fardos de nós mesmos. Eternamente presos. Eternamente exaustos.

Às vezes alguém passa por perto e, curioso, segue nosso rastro. Talvez esse alguém já tenha encontrado um jeito de se carregar sem se enrolar, talvez ainda esteja aprendendo, talvez já tenha estado nesse mesmo lugar. Às vezes esse alguém percebe uma ponta solta que nós, incapacitados de nos mover, já não conseguimos ver. Talvez nos ajude a começar a desenrolar, talvez só mostre um caminho, talvez passe reto por saber que se tentar ajudar só vai também se enrolar. Tem momentos que tudo o que podemos fazer é, por aquele momento, estar ali, e às vezes só isso já ajuda.

Da mesma forma que de um pequeno e inocente nó nascem outros mil, ao conseguir soltar um pequeno e mísero nó outro se desfaz, e outro e mais outro até que quando percebemos já conseguimos nos mover de novo, talvez até já estejamos livres. Ao invés de andar a esmo e se prender em qualquer canto, começamos caminhar com atenção e intencionalmente amarrar nossos barbantes apenas como pontes para lugares que podemos um dia querer voltar. Passamos a vida incomodados com o longo barbante que precisamos carregar até aprendermos ser ele próprio a vida, que carregamos.

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