215 | tempo é uma lombra

mari
3 min readApr 8, 2023

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Procrastinei, procrastinei mesmo, procrastinei com gosto e vou falar que foi o quê? Gostoso. Foi mesmo, confirmo, eu estava lá. Eu, euzinha, sozinha. Patrocinadora oficial da minha própria incompetência. Parece sarcasmo, mas não é. É bom fracassar nos meus próprios termos e ter somente a mim para culpar. É um alívio, na verdade.

Andei pensando muito sobre o tempo que passou e se passou e me passou e me perguntando quando foi a última vez que me senti estável, a última vez que consegui realmente me sentir alinhada com meu ritmo interno e o perceber funcionando a meu favor. O ano era 2021. Desde lá continuei caminhando, correndo, mancando, rastejando, continuei do jeito que deu a acompanhar o fluxo de todo mundo, menos o meu.

Um dia terrestre tem 24 horas, aproximadamente, porque aparentemente ser humano é precisar exatificar a natureza, enquanto em Mercúrio um dia dura 1408 horas, em Marte 25 horas e em Saturno 11. Vênus, nosso planeta vizinho, vive dias mais longos do que anos, pois a sua rotação em torno de si mesmo, que dura 5832 horas, leva mais tempo do que sua volta em torno do Sol.

E se pessoas são como planetas, cada uma vivendo o tempo à sua própria maneira? Se um dia em minha vida equivale a uma semana e meia de acordo com o calendário na minha parede, o mesmo que eu preciso me forçar a olhar todos os dias para que consiga assimilar racionalmente a cronologia que não faz sentido nenhum com meu relógio interno, quão assíncrona me torno ao completar uma volta em torno de mim? E se a minha percepção de uma semana é o equivalente a três meses do resto do mundo? E se encontrar pessoas uma vez por semana é como ter uma pessoa diferente batendo em minha porta a cada cinco minutos? Quanto eu consigo fazer do que me é importante quando sou interpelada a cada poucos minutos pelo mundo que me exige o tempo todo?

Sei que não faz sentido porque a vida prática demanda unidades de medida que sejam fixas, eu sei, mas não é essa vida prática também uma construção nossa? Sim, foi esse tipo de uniformização da experiência que tornou possível o desenvolvimento da humanidade, mas não é esse o desenvolvimento que nos tornou uma praga para o planeta? Fomos muito longe, sim, continuamos péssimos. De que adianta ter uma sociedade que não conseguimos habitar? De que adianta uma estrutura externa se por dentro esfarelamos? De que adianta um sistema que adoece tudo que entra em seu raio de destruição? Raio esse que, por sinal, já é maior do que a própria Terra, a mesma que dá uma volta em torno de si mesma em 23 horas e alguma coisa e que deu o grande azar de nos hospedar.

Quem manda ser tão boa anfitriã, dizem alguns enquanto devoram tudo o que tem na geladeira, derramando mais no chão do que na boca já há muito cheia e que mesmo assim não para de se encher de si.

Há tanto a se fazer em um dia e esses dias duram tão pouco, cada vez menos e, como tudo, de qualidade cada vez menor. Queria respirar no Tempo da natureza e não ter que me dobrar toda para caber nesse tempinho mixuruca criado pelos Homens.

7 de abril de 2023

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