218 | você sabe escolher?

mari
3 min readApr 11, 2023

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Não ter resposta é quase heresia hoje em dia. Precisar de tempo para pensar? Onde já se viu um negócio desses… É pra já. Se demorar perdeu. Perdeu o que? Perdeu, não importa o quê, sempre tem alguma coisa a perder e sempre se está perdendo. E não dá mole que senão perde mais.

E nessa correria toda nos esquecemos de nos perguntar o que realmente queremos, e na pressão em responder se é porta A ou porta B esquecemos que na verdade não queríamos porta nenhuma, queríamos janela virada para o mar. E entre rios de opções não conseguimos nos decidir por nada porque na verdade o que verdadeiramente, do fundo dos nossos corações, queremos provavelmente não se encaixa perfeitamente em nenhuma delas. E como podemos ousar recusar opções quando nossos pais não as tiveram? Quando tanta gente hoje ainda não tem e talvez nunca tenha?

Na era das infinitas opções, optar não é bom o suficiente, precisamos escolher e se você, como eu, tem o privilégio da escolha, é o seu dever aprender a escolher bem. Porque sim, escolher também é algo que precisa ser treinado.

É sobre pensar no que se quer comer antes de ver o que tem na geladeira. Fechar os olhos e deixar o corpo falar. Do que é que seu corpo precisa? Depois você vai atrás, mas primeiro feche os olhos e pense. Do que é que você precisa? O que é que você quer? Quando você pensa no futuro, o que é que você quer?

Enxergou? Tá, agora você vai atrás de materializar isso aí. Não enxergou? Tudo bem, talvez você só não tenha a referência que precisa ter ainda para conseguir visualizar, então continua explorando, pesquisando, buscando, descobrindo, aprendendo, observando, participando, e se perguntando. Quando a gente enxerga, não tem dúvida.

As dúvidas vem depois, quando nossa mente já muito bem treinada a dissecar absolutamente tudo chega com a sua pilha de papelada. Ela nos olha nos olhos com aquela cara de impaciência tão característica dela, batuca o pé no chão e logo sabemos que está puta da cara por ter que fazer mais uma vez esse tanto de trabalho para tentar encontrar uma brecha no nosso plano.

Só que ela não entendeu que não tinha plano, o que tinha era esboço, rascunho, origem, visão. O trabalho dela era o de fazer o plano, não de desbancar algo que nem nasceu ainda. Calma, oxe. Primeiro faz, depois ajusta, depois critica, depois julga se tá bom ou não, se faz sentido ou não, e se não fizer dá um jeito de fazer. Mas não antes de começar, antes de começar não, é assim que se mata tudo o que mais vale a pena.

Mas a mente foi treinada e continua sendo treinada a encontrar problema. Boa estudante como é ela aprende tão rápido que sempre encontra, até quando não tem. E nem é culpa dela, talvez ela nem perceba que está sendo impaciente, que está com cara de raiva, que nos faz acreditar que tem algo de errado conosco. Talvez ela só esteja cansada de ficar ligada o tempo todo com milhares de luzes ligadas na cara dela o tempo todo e milhares de vozes falando ao mesmo tempo. Talvez ela só precise de uma folga, talvez ela só precise dormir um pouco, talvez só precise olhar pela janela e apreciar a paisagem por dois segundos sem ser interrompida pelos estímulos insuportáveis que não a deixam em paz por um segundo. Quem sabe, se ela tirasse umas férias, ela mais nos ajudaria que atrapalharia, mas mentes hoje em dia tem péssimas condições de trabalho e fazem mais horas extras do que cabem em um dia.

Quando optamos temos justificativas, quando escolhemos temos certeza. E para fazer qualquer um dos dois precisamos estar bem porque nenhum dos dois é fácil.

10 de abril de 2023

Texto inspirado por vídeo de Halu Gamashi sobre desvios encarnatórios.

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