22 — mirante

mari
2 min readJun 6, 2022

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Logo de cara a inspiração chegou torrenciando, encharcando meus cabelos e entornando de palavras meus olhos sedentos. Agora que os dias já são quase todos iguais e o novo não mais parece tão novo assim, o combustível começa a ficar rarefeito e pouco a pouco me sinto falhar. Dizem que é da limitação que surge a criatividade e enquanto me vejo fuçando por debaixo de tapetes e toalhas em busca algo de um ponto de vista diferente que ainda não explorei, percebo ser essa também uma verdade.

Não digo que estou melhorando com o tempo — até porque não é essa a questão — , mas atinjo um tipo diferente de satisfação ao me ver explorando novas perspectivas e formas de dizer o que em outro momento já disse e que ainda me desperta atenção. Me vejo sinto novamente me contorcendo no chão em posições inimagináveis tentando chegar naquele ângulo perfeito e tirar aquela foto perfeita, levemente diferente das outras novecentas e oitenta e três quase iguais que ocupam o cartão de memória da câmera.

É sempre pelas últimas fotos que se encontram as minhas preferidas, aquelas tiradas entre um misto de excitação e cansaço, aquelas que me forçaram a subir bem alto, me espremer em um canto ou me jogar ao chão, aquelas que eu tive que pensar um pouco sobre, mas ainda sem ter que pensar demais. Aquelas que olharam no fundo dos meus olhos e falaram "você não ousa" e eu olhei de volta e ousei.

Busco novas formas de repetir meu encanto pelo fato de nascermos, crescermos e criarmos novas vidas que nascem, crescem e criam. Novas palavras que traduzam tudo o que sinto ao ver minha irmã conversando com seu filho pequeno como conversa comigo e pensar que, cada vez mais, eles conversarão como nós. Me maravilha ver minha mãe sentada no chão dando toda a sua atenção ao seu neto e lembrar de como, mesmo trabalhando o dia inteiro, ela nunca deixou espaço para que eu sentisse sua falta. Tento me colocar em uma diagonal que mostre exatamente o quão preenchida eu me sinto de pular, correr e dançar com meu sobrinho que, assim como eu fazia, leva todos à exaustão por não querer nunca parar de brincar.

Percebo cada vez mais em cada vez menos e vejo como no final tudo é muito simples. Tudo se repete como sempre se repetiu até que alguém mude alguma coisa que se repete até que se mude alguma coisa que se repete até que… Tudo se repete. Tudo é muito simples. Tem momentos que, admito, fico tão fascinada observando as cenas que se desenrolam diante de meus olhos que até esqueço que eu também faço parte delas.

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