222 | beber a vida de canudinho

mari
1 min readApr 15, 2023

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Os dias se espreguiçam com braços molengas de pouco dormir, falta-lhes força, coitados, faz tempo que não comem feijão e o ferro que já não tinha agora escorre pelas pernas. Falta força para ficar em pé e ainda assim se fica porque as louças precisam ser lavadas, mas o trabalho no computador não precisa ser feito em pé e então se faz deitado. Só que deitado não trabalha, se dorme, especialmente quando as noites não tem sido bem-dormidas.

O sol nasce através das duas cobertas penduradas na janela porque ainda não foi comprada uma persiana, ou uma cortina, porque ainda não se decidiu se quer cortina ou persiana e é difícil tomar qualquer decisão quando se tem tantas decisões num dia só para tomar, especialmente quando falta feijão. E o pacote que tinha no armário de tanto não ser feito estragou, ficou chateado e embichou.

E a estante continua cheia de livros ainda não lidos, cada um mais sedento que o outro por olhos que não se aguentam de pé e continuam cada vez mais pesados de tanta vontade que carregam de ler, mas não se aguentam nem sentados nem deitados, quem dirá acordados por mais que uns minutos por vez.

E o coração ainda bate, surpreendendo a si mesmo com a leveza que consegue ter depois de tanto pesar. Bate não tão firme, mas forte, e sempre que consegue saltitando. A vida é melhor se tomada de canudo, me disseram dez anos atrás e nunca esqueci.

14 de abril de 2023

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