241 | solvente

mari
2 min readMay 5, 2023

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Rafael, 20 anos, tem uma lata de solvente explodir em seu rosto e queimar os seus olhos. A água da mangueira não é o suficiente para acalmar a dor, nem o soro fisiológico e nem o colírio já há muito vencido, os olhos vermelhos e inchados não conseguem mais abrir.

Pedro é quem vê primeiro o que acontece, ou melhor, ouve os gritos de agonia e tenta entender a situação, logo parte para a ação. Corre ali, corre aqui, toma providências, liga para a emergência e descobre o que deve ser feito. A voz urgentemente calma de quem mantém a frieza quando frieza é necessária se sobrepõe ao pavor que paira no ar. Qual o seu nome? Rafael. Quantos anos você tem? Vinte. Não mandam carro, tem que levar no hospital de base que é só lá que tem plantão oftalmológico. Vocês tem como ir? Meu irmão vem buscar. Já falou com ele? Já. Já tá vindo? Tá.

Rafael, 20 anos, chora em silêncio e desespero. A visão em um segundo pode ter-se corroído para o resto da vida, um jato de produto no lugar errado e a consequência bate à porta. E agora, o que é que acontece? O medo se mistura com a dor e o que já muito ardia arde cada vez mais forte.

Altina com jeito de quem já cuidou de muita gente dá o braço e ajuda o menino grande a se sentar, pega o soro, uma toalha, o ajuda a lavar o rosto sujo do trabalho pesado e as mãos que tremem. Rafael, 20 anos, pega com as mãos recém limpas a camisa imunda de serragem e a esfrega nos olhos como quisesse os arrancar da face por inteiro. Poucas coisas trazem mais solidão do que o medo e a situação potencialmente seríssima se potencializa a cada segundo que a ardência não se alivia.

De Rafael, 20 anos, só sei o nome e a idade, e que no dia três de maio saiu de casa cedo para continuar o seu trabalho na manutenção de janelas e sofreu um acidente envolvendo solvente.

Rafael vai ficar bem, ficamos sabendo na manhã seguinte. A visão permanece. O susto também.

3 de maio de 2023

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