256 | as paredes tem olhos, eu sou um deles

mari
3 min readMay 21, 2023

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Sempre acreditei em viagem no tempo. Eu acho. Pelo menos desde que eu me lembre. Seja em brincadeira ou em necessidade, meus eus do passado e do futuro davam um jeito de se encontrar para salvar o dia. Hoje, saiba, hoje estou voltando ao passado por consequência do acaso ao falar do futuro, mais especificamente, de dois dias à frente.

Na quinta-feira, dia 26 de maio, acordei com o interfone gritando: o moço que vinha trocar a vela do filtro de água chegou. Estava combinado, agendado, confirmado que ele vinha, estava marcado como um evento verde (rotina) no calendário do celular. Ainda assim o despertador tocou e os passarinhos cantaram e a baba continuou escorrendo no travesseiro. Doze rodadas de três despertadores diferentes se passaram e carregaram com eles toda a minha qualidade de sono. Acordei no susto com o interfone gritando: o moço que vinha chegou.

Foi legal, cara simpático, gente boa, alto astral e tal, cheio das anedotas e dos pedaços de fatos armazenados exatamente para esse tipo de situação. Gente que gosta ou que precisa ou que os dois e provavelmente tem facilidade talvez por necessidade de saber um pouco de tudo para sempre ter alguma coisa a falar. Uma visita agradável e um serviço bem feito, com gosto de quem tomou gosto por aquilo que faz. Os olhos curiosos de José me deixaram curiosa, queria ter feito mais perguntas, José tem cara de quem tem boas histórias a contar.

Sentada na varanda com um livro na mão penso na paz que sinto em estar sentada na varanda com um livro nas mãos, que esse é um dos momentos que mais gosto na vida e que pena que eles não tem acontecido mais. Um dia de leitura então esse vai ser. O telefone toca e chama: vem cá. Se leio na varanda leio em qualquer lugar, penso, e lá me vou.

A vida é realmente muito life mesmo né? Só ela pra ser assim. Horas depois e logo após o dia ter escurecido olho ao redor e me lembro do acordar. Como foi que eu cheguei aqui? Eu sei como cheguei, não é essa a pergunta e na verdade nem é uma pergunta, é mais um estado de completa admiração pela inusitalidade da vida. Às vezes me preocupo com meu próprio rumo, mais do que às vezes, muitas delas, e com a minha falta de foco. Sei que tenho o meu em algum lugar, mas quando olho ao redor nesses momentos vejo que estou exatamente onde eu deveria estar: me deixando levar.

Longe de mim querer prever a vida, fala ela que surta ao menor sinal de perder o controle. Longe de mim querer fazer planos que vão se mostrar infinitamente piores do que qualquer surpresa que ela possa me jogar. Especialista em me virar com o que tem para não precisar planejar como fazer para ir atrás de algo mais, faço dos limões sangria e brindo as mudanças que a vida faz enquanto choro diante do incerto.

A parede sendo grafitada enche a casa e as narinas de tinta, a música sendo tocada me enche de energia e me amarra em si. Não encho a casa comigo, não, nunca aprendi a ocupar espaços que já estão sendo ocupados, não ousaria, mas um pé depois do outro começo a dançar. Se alguém vir paro, é claro, mas enquanto cada um faz o seu posso fazer aqui o meu e quem sabe me divertir um pouco em companhia.

Como foi que eu cheguei aqui? Contemplo a minha linha do tempo e fico feliz por ter me deixado levar. Um dia após o outro vou conhecendo um pouco mais do que a vida me permite ver e tocar e fazer de tudo isso que vivencio um pouco meu também. Observo muito, sim, mas não é só isso que faço. Com os olhos me costuro feita colcha de retalhos em detalhes de passados que um dia vão feito história me conter.

18 de maio de 2023

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