Em dois segundos sai uma pessoa inteiramente nova do closet. A meia arrastão por baixo da calça sobe à cintura e faz a mão querer puxar para perto. A juba característica de um ascendente em leão envolve o rosto em perfume e levanta o olhar que, daquele jeito que ainda não consegui fotografar, acaba comigo.
Me sinto bem pela primeira vez em muito tempo num ambiente social e talvez as duas doses de tequila tenham tido um papel importante nesse quesito, mas com certeza a companhia ajuda. Assim como as duas horas de preparo mental que tive enquanto ouvia música e me arrumava sozinha. Me arrumar para sair, como sempre, é uma parte importantíssima do ritual, a pressa é inimiga do conforto e da paz de espírito e eu gosto muito de me maquiar.
Parecidas em tantas coisas, inclusive na falta de iniciativa, duas amigas sempre confundidas com irmãs nunca se encontram porque preferem ficar em casa do que combinar alguma coisa, por mais que muito queiram. A sintonia de ideias que faz a gente trabalhar tão bem juntas se soma com a partilha da insegurança, mãos são dadas e assim ninguém anda só. Hoje as duas riem porque se sentem confortáveis em interagir com todo mundo ali. É um lugar seguro esse que estamos construindo.
Sei que comentam, sei que sabem de algumas coisas e acham muitas outras, sei que existem opiniões às quais não tenho acesso e as ignoro como uma criança que fecha os olhos e acha que ninguém a vê. Me tornei assunto, parece. A vida vivida dentro de casa escapa por algumas frestas e se torna visível ao lado de fora, penso sobre o que aparece nessas frestas em relação ao todo e acho engraçado. Ninguém sabe de absolutamente nada, ainda assim se fala porque é curioso mesmo no final das contas. Talvez os anos em cidade pequena tenham me treinado à duras penas a não me importar e deixar que cada um fique com a sua própria ficção. Aqui apenas duas pessoas sabem quem sou, o resto vê o que quer e, nos meus melhores dias, consigo só ser quem eu quiser. Hoje é um bom dia.
19 de maio de 2023
