258 | sensibilidade é um músculo

mari
3 min readMay 22, 2023

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Faz falta ouvir o que você tem a dizer, mas não pergunto porque não quero fugir da solidão. É com ela que venho lutado fingindo que a abraço e é apesar dela que preciso continuar, por mais difícil que seja. Meio que era essa a proposta, não? Continuar mesmo sem saber para onde estou indo e mesmo que eu não tenha companhia. Nesse momento sou só eu me despejando em uma tela enquanto o coração quer porque quer te mandar uma mensagem mesmo sem ter o que falar.

Eu sabia que esse ano seria assim, mesmo sem saber. Sabia que seria difícil, fiz minhas próprias previsões, sabia que enfrentaria meus maiores medos e assim como sei que vem também sei que vai, uma hora passa e o que é dá espaço ao novo, à nova eu nascida da luta contra eu mesma. Uma eu que não tem medo de pisar firme e nem de deixar o peito à mostra porque sabe que possui a própria cura na palma das mãos. Se eu fugir da luta, se eu me distrair enquanto ela acontece a nova eu não vai nascer, e esse é um risco que me recuso a correr.

Quero conhecer a versão de mim que vem depois disso e confesso sentir falta de algumas que já fui, especialmente quando essa fica intolerável. E acredite, me sinto extremamente intolerável, chata, repetitiva, resmunguenta e chorona, e quero mais do que tudo saber o que é que vem depois de me aceitar mesmo quando sou assim, porque eu sou assim, isso faz parte de mim.

Já me dessensibilizei antes e sei onde isso deu, lembro do vazio e da raiva, tanta raiva. Lembro da constante irritação, de machucar as pessoas que mais queria puxar para perto, de me isolar por não conseguir receber afeto, e ainda assim fechada chorava todos os dias quando chegava em casa, mesmo completamente anestesiada. O choro nunca me deixou, não importa onde estive. Minha constante companhia que mora logo atrás dos olhos e vez ou outra quando eu menos espero resolve dar as caras.

Já me dessensibilizei antes e virei uma panela de pressão como as que vejo ao meu redor. O mundo demanda almas e as devora feito frigorífico fazendo salsicha. Salsicha de gente assustada para vender como hot dog gourmet no instagram, você come e passa mal. Vomitando pede mais um.

Sei que existe luz no fim do túnel, mas ao invés de sair correndo na direção dela tento espalhar um pouco de cor dentro do escuro e encher as paredes de arte. Outras pessoas vão passar por aqui, eu mesma vou passar por aqui ainda muitas vezes, e quem sabe se a gente der uma arrumada no lugar ele deixe de ser tão assustador assim, quem sabe seja até um descanso agradável da luz forte que brilha lá fora.

Tem partes de nós que só podem ser vistas no escuro, partes que precisam ser vistas senão se colam na sola do sapato e nos perseguem como sombra pesando nossos passos. Ela tem medo da luz, essa parte de mim, e não quer sair do túnel. Posso seguir em frente logo e deixa-la para trás ou ficar com ela mais um tempo, mostrar que nem todo sol queima e nem todo olhar machuca, mostrar que existe também carinho do lado de fora e o amor que ela tanto procura.

Li em algum lugar que a sorte nada mais é do que a combinação perfeita entre uma preparação meticulosa e uma oportunidade que se apresenta no momento adequado. Que sorte a minha ter encontrado abrigo em quem me buscou por ajuda e que me mostrou que a parte de mim que tanto me assusta merece e pode ser amada.

20 de maio de 2023

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