3 | inspiro silêncios

mari
2 min readJul 7, 2024

--

Sentada na cozinha, pernas dobradas com os pés em cima da cadeira, prato com farelos na mesa ao lado, xícara na mão. Silêncio. Alana chega, talvez pela primeira vez depois que eu. Bom dia. Bom diia. Vou pegar desse café aqui, tá. Aaaham. Ela enche a xícara, senta na cadeira com os pés no chão, tosta o pão, passa manteiga no pão, come o pão e em silêncio permanecemos por um tempo até que ela se levanta e vai começar seu dia. Sentada na cozinha, pernas dobradas com os pés em cima da cadeira, xícara na mão, silêncio.

Na outra mão tinha o celular recebendo e enviando mensagens. Meu dia começa devagar enquanto o seu não consegue terminar e nessa janela estranha de tempo conversamos de sorriso no rosto no seu último dia a oito horas de distância. Amanhã serão doze.

Sentada na varanda escura, pernas dobradas com os pés em cima da outra cadeira, prato com farelos na mesa ao lado, xícara na mão, silêncio. Depois de horas editando fotos com os olhos na tela do computador precisei de um descanso e o ar fresco do dia que choveu banha meus sentidos de alívio. Entendi um porquê dos meus olhos gostarem daqui: a luz é difusa e tem pouco contraste, como acontece conforme nos afastamos do equador.

Entre um gole e outro as janelas dos vizinhos começam a se acender, uma aqui, outra lá, até que todas de uma fileira se acendem de uma só vez no prédio da frente: alguém desce as escadas. Emoldurado pelas barras do parapeito um senhor chega, checa sua caixa de correio, tira de dentro alguns papéis, põe a chave na porta, gira a chave, abre a porta e entra. Vejo a porta se fechar.

Bebo mais um gole.

No canto esquerdo algo mudou e meu olhar vai pra lá. É um homem que entra na sua varanda e se apoia com os cotovelos no parapeito, uma perna dobrada na frente da outra. Ali ele fica. Aqui eu fico. Longe o bastante para que não tenha rosto, me pergunto se ele também de lá me observa. Permanecemos cada um no seu silêncio.

Bebo mais um gole.

Um pássaro pousa num poste há uma quadra daqui. A luz da cozinha se acende. Alana abre a geladeira, prepara seu lanche e come em pé na cozinha. Quer sentar? Tô ocupando todas as cadeiras. Nãão, preciso ficar de pé um pouco. Tá bom. Ela fica em pé na cozinha. Eu fico sentada na varanda.

Em algum momento depois de mais um silêncio confortável alguma de nós falou alguma coisa e conversa vai, conversa vem, me levanto e vou ficar em pé na cozinha também. Dizem que é o coração da casa a cozinha, né? A varanda talvez seja o pulmão.

7 de julho de 2024.

--

--