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mari
3 min readAug 17, 2023

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Logo que acordei percebi que hoje não seria um dia, ou pelo menos não um que se encaixe na definição comum que temos do que são dias. Hoje foi um daqueles, aqueles meus e que sei que outras pessoas também tem desses, mas cada um tem o seu, e hoje foi um daqueles meus.

Dias como esse são dias em que o tempo deixa de existir do lado de fora e é meio que como se o mundo inteiro desaparecesse. Acho que precisa ser assim da mesma forma que às vezes a gente come tanto que precisa dormir para que o corpo consiga se concentrar na digestão.

E é tanta coisa que acontece tão lá dentro que nem eu sei o que é, é fundo demais para que até eu consiga ter acesso então só deixo acontecer o que precisa e poupo as energias que entendi que o meu corpo precisa para se regenerar.

Depois de um tempo decidi organizar um dos todos armários da casa que precisam ser organizados. Livros saíram das suas pilhas em prateleiras e foram para suas pilhas no chão. Encontrei cadernos antigos e papéis soltos e como faço toda vez que resolvo fazer limpa em alguma parte da casa comecei a rasgar tudo o que vi pela frente.

Existe algo em mim que se cura quando rasga papéis, não sei explicar, só sei que não adianta jogar fora como estão, eu preciso fazer deles picadinho, mesmo que isso leve muito mais tempo do que levaria de outro jeito, mesmo que isso leve o dia inteiro.

Terminei e o armário segue precisando ser organizado. As pilhas de livros do chão voltaram a ser pilhas nas prateleiras e visualmente não parece que nenhum espaço foi liberado, mas o saco de lixo cheio de papel rasgado e picotado é prova de que minha casa está o equivalente a folhas e mais folhas de passado mais leve.

Hoje não passei o dia sozinha, estive acompanhada da minha tristeza. Não sei se isso foi algo que aprendi ou se carrego comigo de nascença, mas não questiono minha tristeza quando ela bate na porta. Anunciada ou não, quando ela chega a convido para entrar e lhe ofereço um chá, sento com ela no sofá e juntas ficamos em silêncio. Ela gosta de silêncio.

Às vezes, passado um tempo, ela se levanta e vai embora, às vezes fica para jantar, em dias especiais dormimos de conchinha. Nem sempre ela fala porque veio, mas a conheço a vida toda, sei que quando aparece é porque tem um motivo, confio nela e a respeito o suficiente para não pressionar com perguntas. Quando ela quiser e estiver pronta para me contar o que está acontecendo ela vai, eu sei, então seguro sua mão e pergunto do que é que ela precisa e se tem algo que eu possa fazer para ajudar.

Hoje ela estava se sentindo sozinha e precisava de uma companhia silenciosa, hoje ela não quis conversar e tudo bem, eu também não queria, então passamos a tarde picotando papéis até dizer chega, tomamos banho juntas e agora escrevo com ela deitada no meu colo. Bichinha… Tá cansada. Faço cafuné em seus cabelos e deixo que durma sabendo que alguém cuida dela.

16 de agosto de 2023

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