361 | porque um dia eu vou morrer

mari
4 min readSep 2, 2023

Mais uma vez me repito: a vida tem um jeito muito louco de acontecer, né?

Agora que vejo a linha de chegada tão perto me sinto feliz por ter começado esse caminho totalmente desnecessário e por isso tão absolutamente necessário.

Vem aí um novo ciclo e sabe-se lá o que vem por aí. Tenho ideias, tenho muitas ideias, mas ideias eu sempre tive.

Tento encontrar um fechamento digno do ordinário enquanto penso no próximo projeto. Calma. Ainda não acabou, apesar de estar acabando e acho que talvez uma próxima etapa seja justamente aprender a deixar que acabe e dar ao fim o meu próprio.

Fiz por mim porque sim. Por mim. Porque sim. Porque eu quis. Porque EU quis. Eu. Eu quis. Eu quis e eu fui lá e fiz. E agora tenho algo em minhas mãos. Algo que não existia antes e que agora existe porque eu botei no mundo. O que fazer agora com isso sou eu que decido. Eu. Eu que decido. Decido por mim.

Tem essa coisa que é muito presente em tudo o que você fala, mas que você fala muito pouco sobre. Foi algo assim que você disse e eu não sei se entendi. Talvez eu esteja falando errado. Perguntei, você tentou explicar. Mas à essa altura do campeonato a gente já estava mais pra lá do que pra cá e qualquer comunicação que faça sentido foi pro brejo. Ainda bem. Mas fiquei com isso na cabeça.

Me pergunto o que vou encontrar quando reler tudo isso e sei que esse precisa ser o próximo passo. Tenho um pouco de medo, confesso. Medo de me descobrir alguém que não conheço quando ao invés de me escrever eu estiver me lendo. Medo do que vou pensar sobre mim. Medo de não gostar de mim. Vários medos que não são medo de verdade porque na verdade o que tenho não é medo, é vontade pra caralho. Me apresento a mim dessa forma, um dia de cada vez para ser engolida da forma que me convier e digerida da forma que eu aguentar.

Acho que quando penso na minha vida — e quando digo minha vida digo a linha do tempo inteira de nascimento a morte, a linha do tempo que um dia vai ser comprimida em memórias e em poucas frases até que o único resquício de que um dia estive aqui seja meu nome e até ele se perca em meio a tantos outros — penso que se vivo é pra me buscar por aí e realmente espero que minha morte tenha paciência pra não chegar até que eu já esteja virada do avesso, ou pelo menos com vísceras o suficiente à mostra [e não, universo, eu não digo literalmente, ok, por favor].

É estranho falar sobre isso dessa forma e por tanto estranhamento acho que nunca me permiti, como se falar em morte fosse a puxar para perto de alguma forma e faço isso desde que eu me lembre por gente, rezando minha ave maria mesmo sem acreditar em ave marias porque era o que me falavam pra fazer toda noite e especialmente quando eu sentia medo, mas rezar ave maria me deixava com mais medo ainda porque nela dizia até a hora da nossa morte, parte que eu discretamente deixava de fora.

Sempre tive medo de morrer e falar isso me faz lembrar do velório de alguma tia avó da qual não lembro do nome e nem da pessoa. Lembro do cheiro da igreja, lembro do peso do cemitério, lembro da pele branca e vazia e dos rostos mortos nas fotos antigas das lápides quebradas do cemitério na beira da estrada e que pelo amor de deus ninguém invente de me deixar enterrada lá.

Escrevo porque tenho medo de morrer sem ter vivido uma aventura digna de ser escrita, sem me conhecer e sem ser conhecida. Tenho medo de morrer incompreendida e sozinha. Tenho medo de desaparecer no mesmo vazio que contemplo todos os dias. Tenho medo de deixar de ser eu, de sumir, de ser esquecida. Tenho medo de ser bruscamente interrompida então continuo falando e falando e falando como se preencher o vazio com palavras fosse o impedir de um dia se preencher de mim.

Um dia eu vou morrer. Um dia eu vou ser vazio e deixar de falar isso não vai fazer com que não aconteça. E olha, sendo bem sincera, pelo que conheço de mim até então é bem capaz de eu me amarrar em ser vazio, viu? Talvez lá seja possível ser magia o tempo inteiro, talvez lá nem tenha tempo.

Se eu me for sem ter dito tudo o que quero dizer, pelo menos vou sabendo que disse um bom bocado, que quem quiser me entender vai sempre poder me encontrar nas entrelinhas e que talvez quem se permitir preencher de vazio perceba a minha voz bem lá no fundo do silêncio, ainda tagarelando.

1 de setembro de 2023

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