362 | leve feito pena

mari
2 min readSep 2, 2023

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Acordei estranha como acordei estranha desde aquele dia. Assistimos Corra recentemente e às vezes me encontro no Sunken Place, caindo no abismo sem fundo dentro de mim incapaz de chegar à superfície, mas não, dessa vez me sinto desconectada do meu corpo de um jeito diferente. Dessa vez pairo sobre mim como costuma acontecer também, quando minha consciência dá uns passos para trás e me observa por fora, eu e tudo o que acontece ao redor.

Olho para a minha pele, a borda física que limita minha existência, e tento toca-la, mas como acontecia naquela brincadeira de criança de tentar acertar de olhos fechados quando o dedo da amiga chegasse no centro da parte interna do cotovelo, abro os olhos e vejo que passei bem longe. Sinto minha pele centímetros acima de onde ela realmente está e tocar a sua superfície real é tão estranho que quase incomoda ao mesmo tempo que conforta.

Me lembro a Olive, a criança peculiar que flutua feito balão de gás hélio e que precisa de sapatos de chumbo para viver no chão. E é por isso que a gente vem fazendo todo esse trabalho de aterramento, porque você é muito aérea, disse minha psicóloga em alguma das nossas sessões sem fazer a menor ideia de que foi esse o nome com o qual eu mesma me batizei. Sorri para as câmeras invisíveis e me despedi sem falar mais nada, afinal, nossa hora já tinha acabado.

Muito difícil esse negócio de caminhar pisando no chão e de habitar a própria pele preenchendo as próprias linhas. Acho que se eu fosse me desenhar me veria toda borrada, manchada, esparramada por cima dos contornos.

E sabe o que? Eu amo ser assim. Amo de paixão. Adoro meu jeito de caminhar na ponta dos pés, de ver a vida de cima e de fora e de tantos ângulos quanto eu puder, de permanecer por horas a fio olhando para o teto e enxergando maravilhas com o olho da testa, de sonhar vivo e profundo, de ver o céu e me tornar céu também, de estender a mão e ajudar outra pessoa a levitar, de ser leve como o vento e voar para bem longe, de sentir o sutil que só se pode sentir com calma…

O negócio é que às vezes perco das mãos a corda que me ancora na realidade, e quando vôo rápido demais me escapam dos pés os sapatos. Feito balão de gás hélio subo, subo, subo até me perder de vista e depois sabe-se lá o que acontece comigo.

Não sou assim porque nasci com defeito, sou assim porque preciso ser e sei que sou útil aqui em cima, mas cada jeito de ser tem o seu preço e quem me cobra agora é a vida. Chegou a hora de encontrar o peso que não me prenda no chão e me murche por inteiro, mas que me ajude a controlar meu próprio vôo.

2 de setembro de 2023

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mari
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Written by mari

pelo visto esse é o meu diário

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