72 | basicamente tudo torra meu saco

mari
3 min readNov 16, 2022

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Acho que já falei algumas vezes sobre como fui uma criança difícil, tão difícil que fui colocada na terapia logo cedo — coisa que, na época, não era comum — , o que acabou se tornando a melhor coisa da minha vida e o motivo de eu ter me tornado totalmente obcecada por autoconhecimento — não porque eu acho legal, mas porque ele me é extremamente necessário.

Hoje sei que na verdade eu não sou difícil, mas que eu que já nasci com intolerância à lactose sou intolerante também ao mundo em que a gente vive. Sou sensível e essa é uma palavra muito subjetiva usada de várias formas, muitas— se não todas — aplicáveis aqui. Tudo me afeta e me afeta muito. Meus sentidos estão sempre ligados e uma simples luz mais forte — que pode inclusive ser uma única tela ligada no brilho mínimo e no modo noturno — já me deixa num mau-humor dos infernos.

Lá vai ter outras crianças, Mari — Diziam meus pais tentando me convencer a ir aos eventos lotados de gente do trabalho, da família ou de sei lá o que mais que sempre tinha. Minha irmã sempre ia de bom grado, por que eu insistia em fazer birra? Difícil né, é porque a Mari é difícil. Não é como as outras crianças, ela chora e quer ir embora cedo, ela não se mistura, ela fica emburrada, ela tem que ser do contra. Que saco, a Mari é um saco.

Mal sabiam que meu inferno pessoal é o burburinho. O barulho de gente chega como agulha em cada um dos meus poros e torna insuportável habitar a minha própria pele. Tudo incomoda. Tudo machuca. Meu constante mau-humor — minha marca registrada — nada mais era do que uma reação emocional ao desconforto insuportável causado pelos ambientes comuns que todo mundo está acostumado.

Sou completamente afetada pelo que me cerca. Meu corpo reage, minha mente reage e meu emocional reage, e é por isso que preciso ser exigente em relação a tudo na minha vida. Acredito que todo mundo sente em certo nível e que muitos problemas poderiam ser resolvidos retirando um pouco desses estímulos excessivos, a única diferença é que minha ultra-sensibilidade faz com que se torne impossível de eu ignorar coisas que, para outras pessoas, podem passar batidas enquanto ainda as afetam inconscientemente.

Lembro dos momentos de maior atrito em minha vida e todos eles vieram em épocas em que eu estava sendo forçada pelas circunstâncias a estar cercada de gente o dia inteiro, sem tempo para me afastar de tudo e simplesmente respirar o meu próprio ar. O acúmulo vai me corroendo por dentro até que minha única defesa contra o colapso seja me tornar espinho na tentativa desesperada de afastar de mim tudo o que me sobrecarrega, porque eu mesma já não tenho mais forças para dar um passo sequer. Tenho duas alternativas: ou explodo ou desapareço, quando não quero fazer nenhum dos dois paraliso no lugar como se tudo em mim se desligasse, ficando apenas o sinal de alerta piscando na tela.

É como se eu fosse uma casa com tudo ligado na tomada ao mesmo tempo a apenas um carregador de distância de queimar tudo de uma só vez. Um ruído me faz pular, o calor me deixa irritada no nível de tudo ser respondido com patada, um olhar me faz ficar sem ar e um simples toque de carinho atinge como raio queimando minha pele. O excesso de tudo se torna ansiedade e me ataca até e especialmente quando vou dormir. Em sonho corro pela minha vida de tudo e qualquer coisa, sempre correndo, sempre fugindo. Quando toda a minha energia é direcionada para conter danos… Bom, não é a toa que estou sempre cansada.

Parece péssimo e não deixa de ser, mas ainda assim eu não trocaria isso por nada. O incômodo pode ser nosso maior professor quando paramos para ouvi-lo e, sinceramente, gosto de tudo o que ele me fala. Quando uma situação me é hostil é porque eu não deveria estar ali, ou pelo menos não dessa forma. Não como o que me faz mal só porque gosto do gosto porque não consigo achar mal-estar gostoso. Quando o desconforto se torna insuportável se aprende não suportar o desconforto.

15 de novembro de 2022

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