80 | seguro o choro para que possa chorar

mari
2 min readNov 24, 2022

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Quando falo assim parece que já pensei nisso muitas vezes antes, mas é me ouvindo que a compreensão chega pela primeira vez a mim também. Sempre me achei vítima das minhas próprias emoções e nunca percebi fazer de outros também minhas vítimas ao, mesmo sem querer chamar atenção, faço com que tudo seja sobre mim.

Finalmente entendi minha irmã e o quão difícil deve ter sido para ela crescer ao lado de alguém que, por já ter nascido muito sensível, sempre demandou tanto cuidado. Finalmente entendi o quanto eu, por não conseguir guardar nada dentro de mim, espalhei minha bagunça emocional para todo lado e ocupei todo o espaço. Na minha incapacidade de fingir fiz com que ela aprendesse a encolher tudo o que sente no pequeno espaço que sobrou dentro de si, tão pequeno que comprime e adensa e cristaliza.

Também o oposto é verdade quando eu que cheguei depois senti todo mundo ao meu redor se guardando e apodrecendo em despensas escuras e úmidas e entendi a necessidade urgente de abrir todas as janelas deixando o sol e o ar fresco por ali entrarem, iluminando, ventilando e refrescando sem deixar nada por muito tempo parado.

Guardar sentimento em gaveta por um segundo que seja já faz começar a corroer e isso machuca muito mais do que qualquer aspereza que me arranhe ao passar por mim. Não preciso de esforço para deixar sair, mas preciso de esforço para impedir que saia explodindo estilhaços em quem quer que esteja do outro lado. Não me isolo por medo de sentir, me isolo por saber que não vou conseguir deixar de sentir ao máximo tudo o que me permito sentir.

Quando não tenho medo de ser frágil me coloco em mãos que também precisam de vez em quando desmoronar e que essa é a dança que dançamos quando quem sempre precisa segurar se desgasta e quem sempre se quebra se esquece da própria força. Que consigamos todos chorar, acolhendo e sendo acolhidos pelas mãos que escolhemos segurar.

23 de novembro de 2022

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