Os dias se tornam todos um e eu continuo aqui. Vim rapidinho, vim para pouca coisa, vim para logo ir embora e aqui fico. O que há nessa casa que tanto me aquece? Há tanto que quero escrever e mal consigo porque para isso preciso parar de viver por um tempinho só que seja e é tão difícil parar logo agora que me sinto tão viva.
Não sei o que foi na quarta, o que foi na quinta e quando vejo já é sexta de novo e eu de novo aqui. Ainda aqui. Vim para passar só uma noite e durmo, acordo, como e fico, quando vejo já fiquei e já é outra noite que durmo, acordo, como e fico.
A vida fica cheia, mas tão cheia que transborda e logo eu que não gosto de gente e muito menos de casa cheia vejo a casa cheia assim e a vida se enche de tantas vidas que eu fico feliz de estar vivendo logo a minha. Deixa que eu faço a sangria, gosto de manter as mãos ocupadas. As horas se passam e eu ainda aqui cortando frutas, gosto da vista que tenho por detrás do balcão, de ver o movimento sem fazer parte dele e de pensar na vida enquanto vidas são vividas ao meu redor.
Como foi que eu cheguei aqui mesmo? Numa sequência de escolhas e acasos vim parar nesse lugarzinho tão especial e já me sinto em casa. Por incrível que pareça é dezembro e só um ano atrás meu mundo inteiro estaria desmoronando daqui há alguns dias. A vida é engraçada mesmo. Ela tem dessas.
Pouco a pouco todo mundo vai embora e eu continuo aqui. Ajudo a arrumar tudo, lavo a louça, tranco a porta dos fundos, lavo o cabelo, faço carinho na gata, durmo, acordo, como e fico. Os dias se tornam todos um só e eu não sei mais qual é qual.
Boa noite, dorme bem e até amanhã.
2 de dezembro de 2022