97 | que a nostalgia comece

mari
3 min readDec 11, 2022

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Até agora tinha um caminho, daqui pra frente é só abismo, falei ao me formar na faculdade e, sim, até lá tinha um caminho mesmo e que dali pra frente foi só abismo.

Em 2019 nasci de novo e vivi a vida que eu estudei para ter, tive oportunidades incríveis e mesmo ainda fresca já estava trabalhando em longa-metragens. Me superei, aprendi, quebrei a cara, cresci e criei memórias para uma vida inteira. Me despi do mundo que eu conhecia ao descobrir que a vida é uma aventura. Aprendi também que qualquer lugar pode se tornar casa e qualquer grupo se torna família passado certo tempo de convivência intensa. Me descobri forte e capaz. Me descobri mais do que eu, dona de mim. Fiz do desapego meu lar e gostei de aprender que posso morar em qualquer lugar quando dentro de mim é quentinho.

Em 2020 a correnteza que me levava veloz na boia encontrou barreira e fiquei surpresa em descobrir que dar com a cara em cheio na parede me tirou foi um suspiro de alívio. Será que eu realmente não quero mais isso ou é um isso é um medo que eu deveria superar? Sinceramente até hoje vez ou outra ainda me faço essa pergunta, afinal, eu gostava tanto de estar em sets de filmagem. A vida que estava só começando começou a parecer prestes a acabar e me desfiz de todas as visões de futuro cuidadosamente cultivadas, afinal, eu provavelmente não teria mais ocasião para usa-las. A vida é curta e tudo muda a qualquer instante, então aprendi a viver o presente um dia de cada vez fazendo dele o melhor que eu puder. Aprendi que a felicidade é tão pequena que cabe em minhas mãos e a esculpi com cuidado e dedicação.

Em 2021 tudo continuou parado até do nada acelerar num solavanco que me atirou para fora do barco. Aprendi a fazer o melhor com o que tenho ao meu alcance e descobri que sou incrível em fazer do cotidiano fantasia. Me despi agora de todo o meu passado e me reinventei como uma nova eu. Foi encontrar meu estado de equilíbrio interno para ser sacudida de volta para os braços infectados do mundo sem estar nem remotamente pronta — o que, admito, não sei se um dia estaria. Tudo muito novo ao mesmo tempo que tudo exatamente igual. Aprendi que não importa o que aconteça, a roda continua girando e foda-se quem caiu para trás, quem foi derrubado da roda e quem nunca conseguiu nem entrar nela. Foda-se quem foi atropelado, a roda continua. Aprendi que odeio a roda e quero provar ser possível viver fora dela. Foda-se eu também.

Em 2022 não vi o tempo passar, mas provei o valor de todo o trabalho emocional e psicológico que fiz ao longo da vida. Enfrentei demônios dentro e fora de casa e me orgulhei de como me conduzi, mesmo que nem sempre. Nesse descobri que eu sou boa em me relacionar, mas joguei/tive jogadas todas as minhas visões perfeitas de relacionamento pela janela. Tudo mudou e tudo continua exatamente igual, só que totalmente diferente. Descobri que eu não faço a menor ideia de quem eu sou e me despi da minha própria pele para me conhecer por dentro ao mesmo tempo que precisei correr atrás de roupas que achei que nunca mais iria precisar, mas dois anos se passaram e sob a pele ao avesso elas pinicam tanto que me fazem sangrar. Aprendi que a vida é uma loucura e o melhor que a gente pode fazer é o que nos parece o melhor a se fazer porque não importa o que aconteça, vamos sangrar.

Cada ano mais chacoalhante do que o anterior, cada um à sua própria maneira. Não faço ideia do que vem lá, mas aprendi que não importa o que eu faça eu nunca vou fazer a menor ideia do que vem lá. Parece que já estou nostálgica, mas clima de ano novo para mim chega antes do natal porque gosto de tomar meu tempo para me despedir do que nunca vai deixar de fazer parte de mim. Não faço a menor ideia do que vem lá, mas tenho em mente alguns caminhos pelos quais quero passar e, mais do que isso, versões de mim que ainda preciso conhecer na missão de descobrir quem está por trás de todas elas.

Pela primeira vez olho para o abismo e vejo estrelas.

10 de dezembro de 2022

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