Hoje eu acordei com ódio.
As vozes acordam junto comigo e enchem minha mente enquanto escovo os dentes, preparo o café, passo manteiga de amêndoas nas duas fatias de pão, como, bebo e e leio meu livro. Odeio as vozes que burburinham minha manhã e com ódio na boca como mais duas fatias sem sentir o gosto. Odeio as palavras no papel que definem uma coisa pelo que ela não é e odeio a inquietude que me atravessa como milhares de alfinetes cravados na pele.
Sinto meu peito ferver e meus olhos com vontade de entrar em erupção. Sinto vontade de gritar com toda a força dos intestinos, de bater a porta com tanto impulso que a chave cai tilintando do lado de fora. Quero fazer a casa inteira tremer. Quero firmar meus pés no chão e explodir feito supernova, expulsando com a pulsão da minha fúria o mundo inteiro de mim.
SAI!
SAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI!
Odeio o homem que tem cheiro de mijo e com seu mijo fedido suja o que outra pessoa vai limpar, que tão pouco se importa que nem se dá ao trabalho de esconder, deixa a tampa levantada porque é só ele no mundo que importa. Odeio a mulher que fui ensinada a ser. Insatisfeita. Resignada. Eternamente a reclamar do que acredito ser o meu karma.
Odeio que meu corpo pequeno tenha absorvido como verdade do mundo que o único jeito é atropelar ou ser atropelado e que, por um excesso de empatia, por me crer fraca, pelo instinto que paralisa e por uma incapacidade de conceber a existência de outra saída, eu aceite como normal ter as costelas quebradas.
Odeio não conseguir respirar porque estofo de silêncio a raiva. Odeio não conseguir fazer chegar a minha voz e me lembro das tantas vezes que em sonho gritei sem ser ouvida. Ou será que eu estava acordada? Odeio tudo aquilo que me invade e odeio ter aprendido que não faz diferença nenhuma enfrentar, não adianta, é assim que é e que sempre vai ser.
Risada. Olha só como o incômodo tem graça.
Me odeio enquanto a garganta inflamada tenta engolir o que já não aguento mais e me sinto grata por ter nascido com intolerância ao que me envenena. Vomito do jeito que dá, mesmo que arda.
17 de julho de 2024