10 | me faço borrão

mari
3 min readSep 15, 2022

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Engraçado esse negócio de vulnerabilidade e intimidade que na verdade nem sei ao certo a diferença entre as duas porque na minha cabeça uma só existe junto da outra. A gente se conhece e quanto mais a gente se conhece mais a gente vai se conhecendo mesmo porque quanto mais à vontade a gente fica mais a gente mostra da gente.

Não sei vocês, mas eu pelo menos não consigo me esconder mais depois de certo ponto. Eu tento, ah se tento, mas conseguir é outra história. Sei que tem gente que guarda grandes partes de si apenas pra uso pessoal, que engole o que for e lida com isso no seu próprio tempo do seu próprio jeito e ninguém nunca fica sabendo de processo nenhum, só vê o resultado.

Às vezes eu queria ser um pouco mais assim, só um pouquinho pelo menos, porque eu tenho um negócio que se é pra estar junto é pra estar JUNTO, caso contrário prefiro ficar sozinha. Acho interessantíssimo o conceito de ser um mistério de vez em quando, mas a verdade é que eu quero é ser entendida, vista, decifrada, assimilada.

Quero mostrar quem eu sou, quem eu acho que sou, quem eu sei que não sou e quem eu quero um dia ser. Tem horas que essa vulnerabilidade toda chega como asfalto em pele lisa e dói e arde e demora pra passar. Tem horas que ela chega como um abraço macio de veludo tão açucarado que eu quase vomito de tanto que enjoa. Tem horas que doce não desce, nem salgado e muito menos amargo. Tem horas que só um azedo cítrico e pontiagudo consegue me furar.

Quero ser vista de todos os meus jeitos, mas me mostro e me recolho, como se no momento que eu me decidisse pela própria permanência ela fosse cair e me deixar sem chão. Preciso ser vislumbre, rápida, piscou perdeu, porque se me demorar dou tempo pra ser percebida. Vivo me escondendo no canto do olho, querendo mais do que tudo ser vista enquanto dou passos pro lado sempre que um feixe de luz se vira na minha direção.

Ei! Ei, olha pra mim! Chamo sua atenção e quando finalmente me olha me escondo atrás do arbusto. Toco a campainha e corro porque se eu for convidada a entrar talvez perceba que estou vestindo a roupa errada, descalça e descabelada, ou talvez eu me sinta tão confortável que ponha os pés em cima da mesa de jantar. Bicho do mato, né? Quando se permite ser natural esquece de como é ser civilizado.

Passei muito tempo fugindo e agora que me treinei e me preparei pra me combater preciso esperar a hora certa de atacar. Nunca fui muito paciente, nem um pouco eu diria. O escudo pesa em minha mão, mas eu não consigo largar. A lança se agita insistindo pra ser atirada bem longe e cravada em meu coração desavisado. Minha coluna se endireita e se prepara para a batalha, mas você chega e aos poucos vai tirando minha armadura, soltando minhas mãos e me envolvendo em panos quentes. Quero correr e gritar e você me deita e me enche de carinho. Fico inquieta. Incômoda. Me larga. Me segura bem perto. Sai de perto. Vem cá. Me sinto sufocada até perceber que amor é ar e quem me sufoca sou eu.

14 de setembro de 2022

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