noites tristes

mari
2 min readSep 13, 2024

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Me servi uma segunda taça de vinho. A primeira foi tímida, modesta, razoável, a segunda foi ousada. Joguei dentro umas frutas pequenas, vermelhas e azedas que não sei o nome, porque sim. Quero dormir, mas não quero. Meu corpo dói com saudade de casa. Chorei em parcelas ao longo do dia.

Olho pela janela fechada a imagem que só vou ver por mais uma semana e depois nunca mais. Sinto várias coisas a respeito disso, coisas que minha psicóloga me incentivaria a nomear, mas como não marquei nossa próxima sessão aceito meus sentimentos abstratos.

Quero um colo pra chorar. Ainda não toquei na segunda taça de vinho. Agora sim, tomei um gole e derramei outro na calça. Cansei de chorar sozinha.

Minha bagunça ocupa o quarto inteiro, também parte da cozinha. E do banheiro.

Já aprendi que noites tristes fazem parte dos meus ciclos, que não importa onde eu esteja, a melancolia vai crescer em minha pele feito fungo e tingir tudo de gosma, escorrendo pelos poros o buraco do peito.

Passa. Sempre passa. E saber que passa ajuda a atravessar. Olho pra taça e já antevejo que vou acordar no meio da noite com sonhos loucos, não me importo, sinto falta também dos meus sonhos. Loucos e perturbados eles vão ser, provavelmente.

Já não sinto mais medo de sonhar, nem de acordar no meio da noite, mesmo que às vezes ainda acorde com medo. Queria poder falar isso pra minha eu do passado que passava noites em claro e só adormecia depois do sol nascer. Passa, sempre passa, é só atravessar.

A volta se aproxima e o resto da vida se estende indefinido. Mais uma vez encaro o abismo. Retorno em breve para um país em chamas. Mais uma mulher morta pelo marido. Mais uma criança violada. Mais um incêndio criminoso. Mais comentários ignorantes.

Como você vai aproveitar seus últimos dias? Minha mãe me pergunta. Tenho ideias, pesquiso hospedagens. Tinham homens que ficavam encarando perto da entrada, ficamos desconfortáveis, diz uma mulher nos comentários. Talvez eu procure outro lugar e vá, ou talvez decida beber vinho e chorar. O vinho aqui é barato, afinal de contas.

14 de setembro de 2024

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