o dia dos olhos mortos

mari
2 min readApr 27, 2022

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Acordei sem acordar. Abri os olhos sem motivo e fui inundada pelo dia antes que pudesse o escolher. Numa paralisia do sono invertida fiquei presa em sonho enquanto acordada, vivendo sem sentir na pele os efeitos de viver. O que vi foi um momento que a mim não pertencia. Sem saber se fui invadida ou se eu que invadia, saí correndo num impulso até parar e decidir voltar, voltando pensei talvez já ser tarde demais. Sem conseguir escolher, escolhi não escolher, acordei em meio à hesitação e a congelei dentro de mim. Me perguntam coisas que não sei responder. Não sei dizer. Não sei explicar. Hoje não sei. Não consigo pensar porque não estou aqui. Fugi para tão longe que saí de mim e não sei quando pretendo voltar. Meu corpo me espera enquanto faz o que precisa fazer. Paro em frente ao espelho e vejo olhos mortos olhando para onde os meus devem estar, tudo o que eles vêem é um buraco negro que suga tudo que poderia chegar até mim, tudo o que poderia querer sair de mim, que sinto já ter me sugado inteira mesmo sabendo que ainda estou aqui. Como espíritos que precisam ser vistos para descansarem em paz, me acompanham de perto os fantasmas das emoções que necessitam urgentemente ser sentidas. Fecho os olhos e ouço seus gritos com os pelos da nuca. Caminho pelo reino dos mortos e me questiono como é deixar de estar viva, como é estar viva, se também sou eu mais um fantasma. Contemplo a imensidão do meu vazio como quem se senta na areia da praia e contempla a imensidão do oceano ou do céu azul. Se sinto tanto que sinto tudo, sinto tanto que não sinto nada.

Hoje acordei sem acordar e durmo sem dormir. Presa no espaço entre meus mundos, imploro que por não ter que fazer nada mais do que apenas existir.

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