Acordei azul. Não azul celeste iluminado pelo sol com nuvens que dão vontade de tomar sorvete e nem azul profundo pontilhado de estrelas. Também não é azul esverdeado que tem cheiro de sal, areia e pé no chão. Não é azul de céu e nem de mar, é azul seco encharcado, feito de veludo que envolve a pele de macio sem nunca tocar, que entra no corpo quando inspiro e fica, aumentando a cada respiração — enchendo, enchendo, enchendo — e pressiona o peito querendo sair sem querer. E fica, e fica, e fica. Enormes ondas batem no paredão de costelas, furiosas até que furam em respingos que saltam pelo canto dos olhos. A maré tá alta e o banho perigoso, mais seguro é não entrar. Só que a água é minha e o rochedo também, e meu corpo morto amanhece gelado, preso em voltas na correnteza brutal. De ossos quebrados e olhos vazios, o azul silêncio pressiona os ouvidos cheios d’água com som de tormenta, mas já não consigo mais ouvir. Hoje eu acordei como há muito já não acordava, hoje eu acordei afogada.