21 | pedaços de várias coisas

mari
3 min readSep 26, 2022

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Tudo parece passar por você como brisa enquanto eu rodopio sem parar dentro de um redemoinho. Dou tantas voltas em volta de mim que fico tonta de tanto girar no mesmo lugar, você estende a mão e me para, as folhas caem no chão e eu consigo novamente respirar, relaxou.

Percebi que quando fico sozinha em casa danço sem parar, expurgando de mim todos os demônios que atormentam meu sono e botando todos os meus músculos sedentários para se movimentar. Quando estou só faço tudo o que quero e descubro coisas que eu nem sabia querer, por que quando estou junto me sento e espero que me deem as direções do que fazer? E se, para variar um pouquinho, eu der as direções? Eu der a ideia? Eu der o assunto? Por que me solidifico no papel da que acata?

Todo mundo nessa cidade se conhece de algum lugar, todo mundo já estudou junto com todo mundo em algum momento e se não, já estudou com a pessoa que estudou com a pessoa que estudou e no final das contas dá na mesma porque todo mundo se conhece. Me mudei para cá depois disso tudo, perdi o momento de se conhecer e agora sou para sempre a pessoa nova que chega, mesmo que já faça quase uma década que moro aqui.

Você não perdeu nada, você só chegou até aqui por outro caminho e trouxe com você coisas que ninguém daqui tem, você diz e explode minha mente. É verdade, eu nunca teria pensado dessa forma. Mesmo assim me inquieto com a sensação de ser uma estranha e com a saudade dos meus, tão espalhados por aí e tão longe de mim.

Nessa cidade todo mundo vem e fica, as amizades de escola se mantêm porque quase ninguém vai embora. De onde eu venho todo mundo sai para algum lugar e cada vez é mais difícil juntar duas pessoas que sejam, que dirá um grupo desse tamanho. Tudo bem, faz parte, estou acostumada a viver longe de casa, mesmo que já faz tempo que lá não me sinto em casa e que na verdade minha casa é aqui.

Todo mundo já se conhece e eu estou eternamente conhecendo e sendo conhecida. Ao mesmo tempo que digo isso não consigo parar de pensar em como quero ir embora e começar do zero em um lugar totalmente novo. Talvez, como sempre é, não seja sobre minha relação com as outras pessoas, mas comigo mesma. Eu que não me quero ser familiar, quero estar eternamente me conhecendo e sendo por mim conhecida e começo a me inquietar quando me percebo pertencendo porque isso de certa forma me cristaliza ali, me faz crescer raízes enquanto quero flutuar.

Sinto falta dos meus, de me sentir em casa fora de casa e de saber que todo mundo que está ali me conhece por inteiro. Mesmo que sejamos totalmente diferentes hoje do que um dia fomos sabemos quem realmente somos. Quem nos viu passar por todas as nossas fases mais difíceis sabe o que está por trás do que agora pode ser visto e pode valorizar ainda mais o quão longe chegamos e entender até melhor do que nós tudo o que ainda precisa ser percorrido.

Sinto falta das risadas que são só nossas para rir, das comidas, das piscinas, das festas do pijama, dos nasceres do sol, das caminhadas pela cidade no meio da madrugada, das festas, das ressacas, dos gritos nos filmes de terror e dos choros nas comédias românticas, dos medos, dos consolos, dos abraços, dos saltitos, das corridas, dos passeios no meio da tarde, de pegar o ônibus errado, de reclamar, de cair, das horas passadas à toa sentadas na escada do meu prédio olhando a vida passar e sem fazer a mínima ideia do que fazer com ela.

Voltando para casa sou inundada por uma vontade de chorar que não é minha, mas que cutuca por detrás de meus olhos. De onde vem? Sempre me julguei por sentir um monte de coisa que bate do nada, como se não fosse natural, mas agora me lembro de que chuva de Brasília é assim mesmo, cria linha reta no chão separando seco de molhado e num segundo você passa de um para o outro como se atravessasse um portal climático. Não parece natural, mas aqui é e também assim sou eu, como chuva de cerrado que começa do nada com tudo e vai embora tão de súbito quanto chegou.

25 de setembro de 2022

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