tinha um urso na estação

mari
2 min readSep 12, 2024

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Pessoas, pessoas, pessoas, quantas tantas pessoas podem caber em um mesmo lugar sem atrapalhar a circulação? Não sei, não aquelas todas.

Quando dei por mim eu já estava correndo. Foram as pernas que começaram logo depois da rodinha da mala atropelar meu pé, e o resto do corpo teve que dar seu jeito de acompanhar. Jeito que se dá daquele jeito… Do jeito que dá. O coração, coitado, foi o último a receber o memorando — talvez se tivesse entendido a situação um pouco antes o sangue tivesse chegado aonde tinha que chegar, mas ele vinha tranquilo das férias.

A mala em minha mão pesava mais a cada passo largo e logo começou a pesar mais do que eu, mas a mala em minha mão não era minha, era sua, e você corria mais a cada passo seu, muito mais largo do que o meu.

Tudo sumiu. Sumiu a mala. Sumiram as pernas. Sumiu a multidão. Sumiu o urso. Sumiu o pulmão. A única coisa que existia, repito, a única coisa que existia eram os seus cabelos pretos, e toda a atenção que conseguia existir em mim se direcionou para não deixá-los sair do meu campo de visão. Te perder de vista, naquele momento, seria a morte.

Tentei chamar, eu acho, mas o barulho era alto e, se você se lembra, já não existia mais pulmão. As pernas que também já não existiam começaram a falhar e a mala já me pesava o triplo, mas não era minha, era sua, e você ficava cada vez menor.

Vi num vídeo que quando um urso corre na sua direção você precisa resistir ao impulso de fugir e permanecer, porque o que ele realmente quer é te caçar. Pena que só vi esse vídeo depois. Ouvimos o urso e corremos. Vimos o urso e corremos ainda mais rápido, cada vez mais rápido. Corremos com tudo o que tínhamos em nós. Foi meio tamo junto, meio cada um por si, e em algum momento eu entendi: você talvez conseguisse se salvar, eu definitivamente não.

Não tivemos o suficiente, e só quando vi o trem indo embora que senti o meu limite no chão uns tantos metros lá atrás. Sumiu o trem. Sumiu o urso. Sumiu seu cabelo. Sumiu a mala. Sumiram as pernas. Sumiu a luz. Sumiu o chão. Ficou o pulmão.

Inspira. Voltou seu rosto. Expira. Voltou sua voz. Inspira. Seus olhos têm pânico. Expira. Você pensa nos próximos passos. Inspira. Meu coração esmurra o peito. Expira. Eu fiquei pra trás.

As palavras demoram a chegar. Quero te ajudar a resolver, mas os pensamentos demoram mais ainda. Quando chegam me contam que não era um urso, era o tempo, e o bom do tempo é que, a não ser quando ele acaba, sempre tem mais.

Pegamos o próximo trem, o vôo não foi perdido e ninguém morreu comido. Mas se alguém tivesse sido, teria sido eu.

12 de setembro de 2024.

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