toda a vida que só existe nos detalhes

mari
3 min readJun 17, 2022

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Sempre que me perguntavam se eu pudesse ter um superpoder qual superpoder eu ia querer ter? eu respondia sem nem pensar que se eu pudesse ter um superpoder eu ia querer ser invisível. Ah…Como eu queria poder ser invisível. A timidez me corroía nos olhares que eu percebia me enxergarem e toda vez que minha voz não era ouvida tudo o que eu mais queria era simplesmente desaparecer ou, melhor ainda, nunca ter sequer estado ali. Pensando sobre isso agora acho tudo muito engraçado. Parece que no final das contas eu quis tanto que acabei aprendendo a sumir e hoje eu posso dizer que realmente… Como é bom estar invisível.

Meu momento de brilhar, em especial, é aquele. Aquele momento de espera, da conversa que chega ao fim, de quando a pessoa em comum sai da roda e deixa desconhecidos lado a lado, do silêncio que eventualmente sempre chega e deixa por onde passa um rastro de luzes das telas de celulares que se acendem. Cabeças caem, olhos se abaixam, dedos deslizam. O mundo some. Ninguém mais vê ninguém e ninguém percebe que alguém ficou pra trás. Adotei como princípio de vida nunca também puxar meu celular, esses momentos são preciosos demais e merecem que alguém fique ali para vê-los existir.

Nunca fui muito de sair de casa, de ver gente, de estar por aí e fazer várias coisas. Tendo a me sobrecarregar rápido e no geral prefiro ficar quietinha na minha própria bolha, mas essa nova perspectiva me faz querer estar presente no mundo. Pessoas são incríveis. Momentos são incríveis. Os pequenos detalhes que nunca são percebidos enquanto estamos dentro demais deles são incríveis. Tenho habitado muito esse espaço de semi-presença, de participante passiva, de espectadora ativa. Oscilo entre viver e assistir a vida em um vai-e-volta interno que vai e volta como um balanço. Toco os pés no chão e me impulsiono para a frente que vai para cima e se suspende no vazio, sinto o vento, sinto o puxar da gravidade que cansou de ir e agora vai começar a voltar até mudar de ideia e voltar a ir.

Vejo o sorriso de quem entendeu a piada, de quem não entendeu nada e de quem começou a sorrir já faz tanto tempo que o sorriso virou o normal e agora só vai de bom a melhor ainda. Vejo o brilho que surge nas vozes que descobrem juntas todo um novo mundo em comum que agora podem compartilhar. Vejo as pernas que se balançam no ritmo da música e as que denunciam o ritmo que vem lá do fundo do lado de dentro. Vejo a empolgação de quem sabe contar uma história e a curiosidade que transborda pelos olhos de quem quer mais do que tudo saber como ela acaba sem que ela precise realmente acabar.

Antes eu ficava ansiosa com o silêncio, hoje eu o abraço e o ajudo a ficar por ali mais um pouco. Não me incomoda não ter o que dizer porque na maior parte das vezes não tem nada que eu realmente queira dizer. Gosto de ouvir e ver para onde a conversa vai quando não tem mais para onde ir. Chega no final da noite e percebo não ter falado uma palavra sobre mim. Sorrio. Não por querer me esconder, mas por não ter nada que eu faça questão de mostrar. Não é sobre mim. Vou me descamando aos poucos e quem ficar por aí vai pegando pedaços do que vez ou outra escapar.

Às vezes um olhar se perde e encontra com o meu e num segundo volto a estar ali. Sinto o efeito da amplitude passar e passo a fazer parte também daquele momento que antes acontecia sem mim, mas comigo ali. É como assistir a vida em terceira pessoa e me ver interagir de fora de mim. É um distanciamento que ao invés de se tornar ausência se torna mais e mais presente ainda. Vejo mais do que parece estar à vista e me sinto parte de tudo isso. Ao invés de me corroer e esfarelar, me desintegro, me dissipo e me preencho da presença tão presente que eu deixo de ser eu e passo a ser aquele momento e tudo que habita dentro dele, inclusive eu.

Recomendo.

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