tudo faz sentido até que não faz mais

mari
2 min readJul 19, 2022

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Permaneço. Depois de ser levada ao fundo do mar pela correnteza e trazida de volta pelas ondas vez e vez de novo, permaneço. Boio na calmaria feito estrela, com braços e pernas abertas metade submersa e metade com frio. O ar gelado corta e rasga a mesma pele que é envolvida pela água aquecida por tanto sol. Fecho os olhos e esqueço onde estou, a cabeça afundada apenas o suficiente para que os ouvidos também não saibam onde estou. Ninguém sabe onde estou, muito menos eu. Ou talvez eu esteja tão visível que só eu que me sinta perdida justamente por fechar os olhos e deixar os ouvidos embaixo d'água. Levanto a cabeça, olho para os lados, não há ninguém por perto, estou indo para longe, mas ainda vejo a praia. Fecho os olhos mais uma vez e novamente encontro a proporção perfeita de água para ar, apenas o suficiente de cada sensação para elas se anulem entre si e eu possa por alguns minutos não sentir nada. Respirar fundo me faz virar água, subindo e descendo como tudo ao meu redor. Se inspiro demais fico com frio, se expiro demais me sinto começar a afundar pelo meio, cabeça e pés por último me dobrando como folha de papel antes de passar a unha algumas vezes e rasgar. Sinto a água respirando ao meu redor e respiro junto a ela. Pronto, proporção perfeita em movimento. Permaneço.

Dizem que mar calmo não faz bom marinheiro, mas não sei se é o mar que está calmo ou se essa sou eu. Vez ou outra passam ondas daquelas lentas que mais parecem montanhas do que ondas, daquelas que sobem você ao invés de você subir nelas. Vez ou outra uma dessas me engana e arrebenta bem em cima de mim, me faz engolir água e respirar sal até que queime tudo por dentro, dou cambalhotas desgovernadas sem saber o que é baixo nem o que é cima e muito menos se um dia vou voltar a subir. Ralo os joelhos na areia e descubro que estou mais embaixo do que pensaria e mais no raso do que gostaria. Ralo joelho, cotovelo e barriga, se der azar também a cara. Sem querer voltei para a praia. Sem querer agora é mais fácil sair da água se eu quiser, já estou por aqui mesmo. Talvez eu esteja até com um pouco de fome. Queria boiar mais um pouco, não estava pronta para sair, mas agora já não sei se vale mais à pena voltar. Permaneço?

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