4 | um dia depois do outro depois do outro depois do outro

mari
3 min readSep 9, 2022

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Numa aula de física, há muitos anos atrás, um professor passou um exercício para descobrirmos qual a distância que um carro na velocidade da via anda enquanto o motorista fecha os olhos durante um espirro. Não me lembro da resposta, mas me lembro do pânico que sinto até hoje toda vez que estou dirigindo e preciso espirrar por lembrar que sim, a distância percorrida é realmente grande.

Nesse momento da minha vida me sinto o carro, o asfalto, o motorista e o espirro, tudo ao mesmo tempo. Pisquei perdi, quando vi já foi e tem sido tudo assim mesmo, aceleradíssimo. De um dia pro outro tudo muda e isso se dura o suficiente pra perdurar um dia inteiro. Eis uma parte da minha súbita necessidade de registrar o máximo possível meus pensamentos porque é só eu terminar de escrever que eles já são outros, mal consigo me acompanhar.

Como minha mãe diz "quanto menos a gente se fala, menos a gente tem o que falar" e eu concordo totalmente. Se preciso dar anos de contexto pra poder finalmente chegar no assunto que eu quero falar, será que vale a pena mesmo? Acho que por isso sempre tive poucas pessoas pra quem conto absolutamente tudo e o resto que fica sabendo muito tempo depois, tenho muita coisa a falar e, sinceramente, se eu não falo logo depois já passou e se já passou não tem mais pra que falar.

Me lembro vividamente de uma conversa que tive com uma de minhas psicólogas, também há muitos anos atrás, sobre mudanças de cidade e seus impactos na vida e eu dizer que tenho preguiça de conhecer novas pessoas porque preciso passar pelo processo de ensinar a elas quem eu sou até que eu finalmente consiga me sentir confortável o suficiente para ser eu mesma. É desgastante ter que contar tudo de novo várias vezes, muito mais fácil continuar o assunto com quem já sabe porque estava lá e viveu isso também.

Sou naturalmente uma pessoa fechada e acho que é na convivência que eu vou conquistando meu espaço aos poucos, mostrando um dia após o outro pedacinhos de mim até que em algum momento isso se torne uma imagem coerente o suficiente. Não sei bem condensar as coisas e nunca sei exatamente sobre o que eu estou falando, só vou andando sem rumo até que eventualmente as várias voltas aleatórias se encontram e começam a fazer sentido. As vezes parece que encontrei um beco sem saída e o largo ali, meses depois chego nele pelo outro lado e falo ué, ó lá, tava aqui o tempo todo, que doideira.

A moral da história é que cada pessoa vai tirar a sua e que nada tem um começo e muito menos um final. Tudo é contínuo e vem se construindo desde muito antes de nós e ainda vai continuar por muito tempo depois. Não cabe a mim tentar concluir nada, só deixo registrada a perspectiva que consigo ter de cada momento como uma foto que pode ser tirada de infinitos ângulos, mas para que ela exista é preciso escolher um. Depois quem sabe se tira outra, e outra, e outra, e outra…

08 de setembro de 2022

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